Por felipe.martins

Rio- Ao anunciar que cortará “na própria carne” para tentar driblar a crise financeira, reduzindo seu salário de R$ 19 mil para R$ 13 mil, o prefeito de Nova Iguaçu, Nelson Bornier (PMDB), disse ontem que também pretende “rachar” a conta da saúde com os vizinhos da Baixada. Ele anunciou que passará a cobrar pelos procedimentos médicos de urgência e emergência no Hospital da Posse a pacientes de municípios da região ou para os acidentados na Rodovia Presidente Dutra. “De 40% a 50% são de fora da cidade. Vamos mandar as faturas para os municípios e para a concessionária Nova Dutra. Eles terão de pagar o preço pelo atendimento”, disse.

Alegando um rombo de R$ 85 milhões no orçamento nos primeiros seis meses do ano, por conta da queda nos repasses federais, o prefeito enviará hoje à Câmara de Vereadores um projeto de lei que prevê a redução de 30% dos salários dele e da vice-prefeita Dani Nicolasina; de 20% dos servidores comissionados e de 15% dos demais servidores (14 mil ao todo), além de 10% em todos os contratos da prefeitura, entre eles os prédios alugados e o serviço de coleta de lixo.

Hospital da Posse%2C em Nova Iguaçu%2C realiza cerca de 12 mil atendimentos por mês%2C sendo 40% a 50% de municípios da região. Prefeito quer repassar conta de procedimeDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

Segundo ele, a ideia é criar um novo sistema de faturamento municipal. O departamento tributário da prefeitura emitirá uma espécie de nota fiscal e enviará para os municípios e a Nova Dutra, com prazo de pagamento de um mês. “Se eles vão pagar, eu não sei. Não posso é ficar de braços cruzados. Que resolvam depois na Justiça”, disse Bornier, que já havia ameaçado suspender o atendimento aos vizinhos em maio, como O DIA publicou.

A declaração de Bornier já causa polêmica entre os colegas. O prefeito Sandro Matos, de São João de Meriti, ameaça “também cobrar pelos atendimentos de pacientes de outros municípios realizados no PAM do Éden e no PAM de Meriti”.

Já o prefeito de Japeri, Ivaldo Barbosa, o Timor (PSD), diz que Bornier terá que mandar a conta para toda a Baixada. “O Hospital da Posse é uma referência e deve ter orçamento suficiente para atender à demanda de todos os municípios da região. Por outro lado, Japeri atende a vários pacientes da Baixada, especialmente de Nova Iguaçu, em nossas unidades de Saúde. Principalmente no nosso raio-X digital, sem contar que a arrecadação de Nova Iguaçu é infinitamente maior do que a de Japeri”, alfinetou.

Medida é legal, mas muito difícil de ser cumprida, diz especialista

O procurador André Miranda, especialista em legislação municipal, diz que a proposta de Bornier é legal e tem respaldo jurídico. Segundo ele, não é justo o município ficar sobrecarregado com esses gastos por conta da omissão da cidade vizinha ao serviço prestado. “É uma decisão razoável e tem amparo na Constituição.” O problema é como ele fará valer esta cobrança na prática. “Se houver resistência do município vizinho, como ele vai cobrar este crédito? Neste caso, teria que acionar a Justiça, porque o hospital não vai se negar a atender pacientes de fora. É uma decisão de difícil cumprimento”, avaliou.

Prefeito de Nova Iguaçu também anunciou corte de 30% de seu salárioDivulgação

Para Bornier, nenhum município da Baixada vai conseguir fechar as contas no fim do ano. “Nem o governo federal fechou, a presidenta (Dilma Rousseff) precisou pedalar. Não temos a ‘bicicletinha’ que ela usa todos os dias”, ironizou, sobre as manobras fiscais da União para aliviar as contas públicas.

‘Meu filho poderia estar morto’

Moradora de São João de Meriti, a doméstica Rute dos Reis Santos, de 38 anos, sofreu para conseguir atendimento para o filho Isaac Reis, 5, que caiu no parquinho perto de casa e bateu a cabeça no sábado. Depois de passar por duas UPAs (Meriti e Mesquita) e pelo PAM de Meriti, onde não havia aparelho de tomografia nem neurologista, conseguiu que ele fosse atendido terça-feira no Hospital da Posse, onde foi diagnosticado traumatismo craniano. A criança foi internada e na quarta, submetida a uma cirurgia e passa bem, mas sem previsão de alta. “É desesperador procurar ajuda médica para seu filho e não ter atendimento em sua cidade. Precisei recorrer à cidade vizinha para salvar meu filho.Ele poderia estar morto”, desabafou.

Após peregrinar por unidades de Saúde da Baixada%2C Rute (E) conseguiu atendimento para o filho Isaac no Hospital da Posse%3A ‘É desesperador’Divulgação

Para o prefeito, os R$9,2 milhões que recebe do governo federal não são suficientes para a manutenção do Hospital da Posse, que realiza 12 mil atendimentos por mês. “Não é correto tirar o dinheiro daqui para manter os moradores de outros municípios”, afirma. O Ministério da Saúde informou que o hospital é municipalizado e os repasses são feitos de acordo com a comprovação dos atendimentos, mas não se pronunciou sobre a decisão do prefeito em repassar a conta para as cidades vizinhas.

A Nova Dutra alegou ter repassado R$ 3,9 milhões em ISS para Nova Iguaçu entre 2013 e 2014 e que das 463 vítimas atendidas por seu departamento de resgate, 60% são moradores da Baixada.

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