Por thiago.antunes
Rio - Um certo matutino perguntou a 25 famosos qual seu samba-enredo favorito. O resultado foi surpreendente. Só dois sambas tiveram dois votos: ‘Heróis da Liberdade’ (Império Serrano, 1969) e ‘Xica da Silva’ (Salgueiro, 1963). Todos os outros tiveram apenas um voto, inclusive alguns antológicos.
‘Ratos e urubus, larguem a minha fantasia’ (Beija-Flor, 1989), apesar de toda a genialidade de Joãosinho Trinta, não foi votado . Mas voto é voto, temos que respeitar (razão pela qual aguentaremos Dona Dilma até 2018). Ninguém escolheu ‘Aquarela Brasileira’, de Silas de Oliveira (Império, 1964), na minha opinião o maior samba-enredo de todos os tempos. É tão sensacional quanto ‘Aquarela do Brasil’, de Ary Barroso.
Art Café%2C Itaipava%2C o último Carnaval de FridaDivulgação

Cito alguns trechos da letra: “Vejam essa maravilha de cenário/ É um episódio relicário / Que o poeta, num sonho genial/ Escolheu para este Carnaval/ E o asfalto como passarela / Será a tela do Brasil em forma de aquarela.” Mestre Silas começa pelo alto do mapa, “passeando pelas cercanias do Amazonas”. E vai descendo, passando pelo Pará, Ceará, Bahia, Pernambuco, Brasília, São Paulo, dando uma parada no Rio, de “sambas e batucadas, de malandros e mulatas/ De requebros febris”. E resolveu ficar por aqui, terminando num genérico “Brasil, essas nossas verdes matas / Cachoeiras e cascatas / De colorido sutil/ E neste lindo céu azul de anil/ Emolduram em aquarela o meu Brasil”.

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De qualquer maneira, se tivesse concorrido no Carnaval que passou, o samba de Silas seria desclassificado. A letra não caberia dentro do ritmo frenético do desfile, que atualmente se transformou numa desesperada corrida contra o relógio. Na sua coluna aqui no jornal, segunda-feira, o coleguinha Ricardo Cravo Albin fala sobre “a transformação das escolas em exércitos turísticos de luxo que marchavam, ao invés de sambar (o samba-enredo acelerado era o ovo da serpente)”.
Ainda bem que esse show para japonês ver foi substituído pelos filhos da Banda de Ipanema, os blocos que esbanjam o humor sacana do Carnaval de rua, de bairro. Com corda ou sem corda. Os nomes dizem tudo: É pequeno mas cresce, Balança meu Catete, Largo do Machado mas não largo do copo, Senta que eu empurro (de cadeirantes), Só o cume me interessa (de montanhistas), Quero exibir meu longa (de cineastas) . A letra é hilária: “Eu mato, eu mato/ Quem roubou a minha ideia/ De fazer um filme chato.” Pelo jeito, teremos Carnaval em 2017. Antes assim.