Por adriano.araujo, adriano.araujo
Rio - Você tem certeza de que está livre de escândalos? Eu não tenho. Sei disso porque já escrevi (e, como se percebe, continuo escrevendo) muita besteira mundo afora — e só aí já haveria material bastante para zerar de vez minha reputação. O perigo maior está no que publicamos na internet. Os seus e-mails: será que são inocentes? Ou você ainda confia em privacidade?
Pois então pense na seguinte história. Aos 43 anos, o publicitário José Victor tem sua conta de e-mail invadida pela Teca, sua ex-mulher. Ela não é uma ex gente boa. Fuça daqui, dali, Teca descobre uma extensa troca de mensagens entre o então marido e o melhor amigo dele, o Walter. O assunto é a Dani, estagiária jeitosinha que, em breve, se tornaria amante do José Victor, levando-o ao fim do casamento (que já estava tecnicamente morto).
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Só que a vingativa ex-mulher joga tudo no ventilador, ou seja, as redes sociais. E faz-se a tempestade. Não tanto devido ao caso extraconjugal, que já nem choca mais ninguém. O problema é a transcrição das conversas entre os dois amigos, que usam e abusam de termos preconceituosos, machistas, etc e tal. É como diz o narrador da ótima história, ‘O tribunal da quinta-feira’, do Michel Laub: o fato de ter um corpo de 43 anos não impede você de pensar como se tivesse 15. Velha verdade, sobretudo entre os homenzinhos — que, dizem, só saem da adolescência aos 54 anos. Existe até pesquisa sobre isso.
A questão é que Victor e Walter não comentam apenas sobre a Dani, mas também sobre outros assuntos. Ora, assim são as conversas entre amigos e amigas, que frequentemente tratam de temas proibidos usando termos impublicáveis. Quanto Victor é processado pelo vazamento das conversas, o que fica aparente é a hipocrisia que movimenta não só as relações humanas, mas principalmente as redes sociais e seus juízes de primeira instância, tão cheios de razão que a própria razão desconhece... E veja que situação: nestes tempos fluidos, o acusador pode virar réu em dois-tempos. É por isso que temos que ter mais e mais cuidado com o que falamos — a favor ou contra.
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O livro é divertido e merece atenção. E seu recado é sério: quase tudo que estiver registrado em linguagem digital é passível de ser recuperado. Se o conteúdo tiver sido jogado na internet, aí mesmo é que não devemos acreditar em segredos eternos. O vazamento em questão até pode servir para o bem — mas geralmente o lado oposto é que sai ganhando.
Nelson Vasconcelos é jornalista