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Por Paulo Braga Coordenador de Imprensa de MSF

O navio Aquarius, que realiza operações de busca e salvamento, retornou às águas do Mediterrâneo Central no início deste mês. E foi necessário apenas um dia de resgates para reacender o debate europeu sobre imigração e explicitar a dificuldade do continente em lidar com o tema.

A embarcação, operada pela organização SOS Mediterranée, em parceria com Médicos Sem Fronteiras (MSF), já vinha enfrentando tentativas de obstruir o seu trabalho humanitário. Devido a entraves e incertezas, chegou a ficar parada por um mês.

Há uma semana, o Aquarius retirou do mar 141 pessoas que estavam em dois botes precários perto da costa da Líbia. Tentou se dirigir ao porto seguro mais próximo, recebendo respostas negativas dos governos de Itália e Malta. A bordo, cinco crianças menores de 6 anos, mais de 70 menores desacompanhados e duas mulheres grávidas. Muitos tinham sinais de maus-tratos e torturas e relataram abusos sofridos em centros de detenção na Líbia. A maioria veio originalmente da Etiópia e da Eritreia, mas havia também pessoas de Bangladesh, Camarões, Gana, Marrocos, Togo, Nigéria, Egito e Costa do Marfim.

O ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, que tem liderado os discursos de ataque às organizações de salvamento, disse em sua conta no Twitter que os resgatados poderiam ir para "qualquer lugar", mas "não à Itália". Após dias de indefinição, Malta permitiu na quarta-feira o desembarque dos resgatados, que serão depois levados para França, Alemanha, Espanha, Portugal e Luxemburgo. Após a decisão, Salvini voltou a usar o Twitter para, no dia em que a Itália chorava os mortos do desabamento de um viaduto em Gênova, celebrar a "boa notícia" de que o país não receberia nenhum imigrante.

Em contraste com a atitude do ministro italiano, a postura desses cinco países foi importante para evitar que se prolongasse o sofrimento dos que foram salvos da morte no mar. Mas há sinais de que a estratégia de criar dificuldades para o desembarque de pessoas em locais onde estariam em segurança está fazendo com que embarcações simplesmente neguem ajuda a quem está em perigo. Pessoas resgatadas pelo Aquarius relataram ter sido ignoradas por outros navios que passaram por elas durante a tentativa de travessia.

O direito internacional marítimo determina que não se pode negar socorro a uma embarcação em perigo e que os resgatados têm de ser levados ao porto seguro mais próximo. Mas os entraves impostos aos resgates e a perspectiva de que aqueles que eventualmente prestem socorro podem ficar em um limbo de dias ou semanas sem poder atracar são parte de uma combinação desumana que resulta na ausência de assistência a quem corre risco no mar.

Muitos críticos têm questionado a atuação de MSF no Mediterrâneo e perguntam por que a organização não leva os resgatados de volta à Líbia ou a seus países de origem. A resposta é que a Líbia é reconhecida internacionalmente como um local inseguro. Desta forma, de acordo com o direito internacional marítimo, as pessoas não podem ser levadas para locais inseguros, o que inclui os países de onde saíram justamente por temer por sua segurança.

A ausência na Europa de uma política clara de acolhimento a solicitantes de refúgio está agravando tensões no continente. Por enquanto, em uma clara inversão de valores, essas tensões estão se voltando contra as organizações humanitárias: há até mesmo tentativas de retirar a autorização para que o Aquarius realize salvamentos. Se levada a cabo, a medida será o verdadeiro naufrágio dos valores europeus humanistas e de solidariedade.

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