Júlio Furtado, colunista do DIA - Divulgação
Júlio Furtado, colunista do DIADivulgação
Por Júlio Furtado Professor e escritor

Rio - Temos assistido a cenas controvertidas envolvendo a votação do projeto de lei Escola Sem Partido, que proíbe professores de fazer doutrinação político-ideológica e abordar questões de gênero em suas aulas. O tema tem ocupado amplo espaço na mídia e merece profunda reflexão por atingir profundamente a prática do professor. Pensemos um pouco sobre as consequências de sua aprovação.

Ideologia, no senso comum significa algo ideal, que contém um conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas ou visões de mundo de um indivíduo ou de determinado grupo, que orienta suas ações sociais e políticas. A palavra ideologia tem uma concepção crítica, quando é definida como um instrumento de dominação que age por meio de convencimento e persuasão, alienando a consciência humana. Outra concepção de ideologia é uma ideia, discurso ou ação que distorce um objeto, mostrando apenas sua aparência e escondendo suas demais qualidades.

A ideologia é inerente ao nosso discurso, pois é composta de nossas crenças e paradigmas. Ao nos expressarmos, estaremos necessariamente difundindo nossa ideologia através de opiniões, exemplos, atitudes e até tonalidade de voz, o que nos faz crer que a neutralidade ideológica é um mito. Podemos, no máximo, nos esforçar (sem nenhuma garantia de êxito) para sermos imparciais. Neutros, jamais. Essa prerrogativa nos leva à conclusão de que ensino sem ideologia é uma falácia. Não existe texto sem ideologia, filme sem ideologia, discurso sem ideologia, regras sem ideologia.

A escola no cumprimento de sua função precisa do confronto ideológico que é parte inerente ao processo educativo. Sem esse confronto, a escola teria, no máximo, o papel de instruir, fornecendo apenas a informação objetiva e "imparcial" do conteúdo. A escola tem como objetivo formar cidadãos habilitados a atuar nos contextos público e coletivo, o que pressupõe a habilidade de leitura ideológica somente conseguida através do pleno exercício do confronto de ideias.

Diante desse contexto, como definir, sem deixar margem à injustiça, o que é assédio ideológico? Como implantar um tribunal pedagógico em cada sala de aula, capaz de estabelecer em que momento o professor ultrapassou a tênue linha que separa o debate ideológico necessário da doutrinação? O movimento Escola sem Partido é uma inviabilidade em si mesmo, por ser, ele próprio uma robusta ideologia a ser implantada.

Júlio Furtado é professor e escritor

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