Velas e flores homenageiam vítimas no muro da escola atingida pela tragédia, em Suzano (SP) - AFP
Velas e flores homenageiam vítimas no muro da escola atingida pela tragédia, em Suzano (SP)AFP
Por O Dia

Estou cansada. Triste. Queria ter feito mais. Mas quem sou eu? Não tenho o poder dos poderosos. Não tenho como entrar na mente das pessoas e impedir que elas façam o mal. Não tenho nem o poder de decidir o que as crianças precisam aprender na escola.

Fico matutando comigo mesma: mandam decorar tanta coisa e não se preocupam com o que é mais importante. Essas crianças não têm amor dentro de casa. Eu sei disso. É muita violência e pouca conversa. Os pais jogam os filhos na escola e acham que a responsabilidade não é deles. A escola faz o que pode. E é tanta mudança de orientação do povo que tem poder que fico com pena dos professores. E como eles trabalham! Conheço tantos que dão a vida para que seus alunos aprendam, para que cresçam, que ganhem confiança, que sejam felizes.

Eu sou uma mulher que, há anos, trabalha alimentando crianças. Sou merendeira. E gosto do que eu faço. Aqueles olhinhos em busca do que eu tenho para oferecer. Alguns são muito educados; outros, mais calados; outros estão perdidos. Mas alimento a todos, sem distinção. O que aconteceu foi a coisa mais triste que já vi. Que ódio tinham esses dois? O que foi que houve? Alguns dizem que é por causa das famílias sem amor. Outros que é o tal do bullying que sofreram na escola. Outros que é por causa de uns jogos desse negócio de computador que faz com que fiquem matando o tempo todo. Eu não sei. Só sei que foi muito triste. Tem gente que defende que todo mundo possa ter armas. Eu não. Isso não é certo. Gente armada fica mais perigosa. Tem tanta briga por aí. Gente que fica com a cabeça quente e, depois, passa. Imagine todo mundo armado. Meu Deus! É só pensar um pouco.

Eu consegui salvar muitas vidas. Eu e as minhas amigas merendeiras. Conseguimos esconder as crianças. Conseguimos proteger as suas vidas. Mas algumas vidas se foram. Estavam aqui e não estão mais. Fico pensando nos pais chorando. Imagine uma mãe recolhendo as bonecas da filha, arrumando o quarto, juntando as coisas. Imagine a conversa deles na sala. Não. Não está certo. Deus não quer isso. Sou muita religiosa, sabe? Mas não sou das que acreditam que tudo o que acontece é por vontade de Deus. Deus deu a liberdade ao homem. E esses erros, esses crimes horríveis, são cometidos pela ausência de amor.

Há muito egoísmo por aí. Muita gente que ninguém vê. E que clama por socorro. Eu presto atenção. Quando vejo uma criança mais triste, puxo conversa. Sei de cada coisa! É pai que bate em mãe. É pai que chega bêbado em casa. É mãe que não queria ser mãe e que reclama o tempo todo. É criança que já sofreu todo tipo de violência. Sabe o que é um padrasto se aproveitar de uma menina e a mãe, bêbada, nem tomar conhecimento?

Pois é. Ninguém nasce bandido, não. Deus não faria isso. Vai ficando. Minha mãe sempre me disse isso. A gente tem que dar o exemplo. Com a graça de Deus, minhas filhas são ótimas. Claro que não são perfeitas. Mas elas confiam em mim. Tudo, elas me contam. E a gente conversa. E, se precisar, choramos juntas. Meu marido faleceu não faz muito tempo. Essas doenças não mandam recado. Vêm e levam. E tem a doença da alma. Esses dois estavam com a alma doente e ninguém viu. Tem muita gente com a alma doente.

Estou cansada, sim. Não foi um dia fácil. Quando a polícia chegou, nos abraçamos e choramos muito. Quando eu vi os corpos dos que não conseguimos salvar, chorei mais ainda. Chorei pelas que mataram também. Quanta tormenta na mente deles! Quanta dor! E suas famílias?

Não. Não quero julgar ninguém. Quero rezar, isso sim. Rezar e agir. Precisamos plantar mais amor. Uma escola tem que ser um espaço de paz. Que os Anjos nos inspirem, nos guardem, nos protejam. É o que eu posso desejar. É o que eu posso fazer.

Amanhã, eu volto para trabalhar. Que seja um dia bom. Se eu pudesse colocar pitadas de amor na comida...

Você pode gostar
Comentários