Rio - Um grupo de amigas se diverte em uma festa da faculdade quando uma delas tem o braço puxado por um estudante e ouve obscenidades em seu ouvido. Com medo e se sentido agredida, ela fica sem reação. A violência sofrida pela estudante de História do Rio, que não quer se identificar, é revelada em números na pesquisa Violência contra a Mulher no Ambiente Universitário realizada pelo Instituto Avon em parceria com o Data Popular, entre setembro e outubro de 2015. Segundo os dados, sete em dez estudantes já foram alvos de agressões por parte de colegas dos campi, o que corresponde a 67% das entrevistadas.
Foram ouvidos 1.823 universitários dos cursos de graduação e pós-graduação de ambos os sexos. Segundo a pesquisa, 37% dos universitários revelaram já ter cometido algum ato de violência contra as estudantes.
E os números revelam dados ainda piores. Cerca de um milhão de alunas deve ingressar nas faculdades este ano, sendo que mais de 700 mil podem se tornar vítimas dos colegas da universidade.Os tipos mais comuns de violência no Ensino Superior, segundo a pesquisa, são assédio sexual, coerção, violência sexual, violência física, desqualificação intelectual e agressão moral ou psicológica.
“É tão absurdo que quando acontece a gente é pego de surpresa. Lutamos tanto para conseguir nosso espaço e em pleno século 21 ainda passamos por isso”, contou a estudante. E são nos trotes e nas festas acadêmicas que elas estão mais vulneráveis, como apontou o estudo. “Muitas vezes os trotes são associados a bebidas, drogas e excessos. Para as mulheres, são momentos de risco, uma vez que se dizem coagidas a beberem e a participar de ‘brincadeiras’ e ‘jogos”, diz a consultora de projetos do Instituto Avon, Mafoane Odara.
E os dados comprovam a explicação. De acordo com a pesquisa, 7% das universitárias afirmaram que foram drogadas sem seu conhecimento e 7% já foram forçadas a ter relação sexual nas dependências da instituição ou nas festas da faculdade. Em relação aos trotes, 67% dos homens e 77% das mulheres afirmam que as instituições de ensino deveriam ter regras mais claras e informações sobre a prática de violência contra a mulher. A maioria também acredita que o que os trotes devem ser levados mais a sério, pois deixaram de ser brincadeiras.
“O estudo mostra que, infelizmente, os muros da faculdade não são impermeáveis em relação à violência contra a mulher”, explica o presidente do Instituto de Pesquisa Data Popular, Renato Meirelles.
Bebida e droga facilitam abuso
Para o professor de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Marcelo Feijó de Mello, que é membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, além da bebida e droga o comportamento ainda machista leva os estudantes a agirem dessa forma.
“A bebida e as drogas são facilitadores porque muitas vezes a vítima nem lembra o que fez. Falta também noção de limite. Nos trotes há a hierarquia e o calouro tem que se submeter a tudo para ser aceito. E a cultura machista também contribui para essa violência porque muitos agem sem culpa e moral. É uma característica da pessoa”, explica Mello.
E as consequências para as vítimas, segundo ele, podem levar a transtornos psiquiátricos e até ao abandono do curso. A pesquisa mostra que 63% das vitimas admitem não ter reagido à violência, muitas vezes por medo ou insegurança. Entre as entrevistadas, 36% afirmaram que já deixaram de fazer alguma atividade por medo. “Muitas têm medo e vergonha de falar porque vão continuar convivendo com o agressor e porque também temem ser julgadas. Há casos de problemas psiquiátricos e muitas até param de estudar”, disse o psiquiatra.
Para ele, as universidades têm uma parcela de culpa nisso. “Não há punição para esses casos. Falta uma posição mais definida das universidades em relação a essa violência”, avaliou ele.
Dos entrevistados 88% dos alunos e 95% das alunas disseram que a faculdade deveria criar meios de punir os responsáveis por cometer violência contra mulheres na instituição.