Por tabata.uchoa

Rio - ‘Taca, taca fogo, taca na Serrinha que matou filho dos outros”. A música foi cantada por moradores do Morro do Cajueiro, em Madureira, que protestavam contra a morte do menino Ryan Gabriel, de apenas 4 anos, atingido por um tiro nas costas há uma semana. A ameaça revela a ‘faixa de gaza’, zona de guerra, que se transformou a Avenida Ministro Edgard Romero, via que separa as duas comunidades da Zona Norte, dominadas por facções criminosas rivais. 

Durante os dois dias seguidos de manifestação em Madureira, uma estação do BRT foi incendiada e outra depredada, um ônibus foi queimado e outro apedrejado. Durante o confronto, cerca de 200 moradores do Cajueiro, que passavam pela Avenida Edgard Romero, hostilizaram um grupo de dez pessoas, moradoras da Serrinha, que apenas assistiam ao protesto. “Sai daqui. Vocês são ‘alemão’ (sic). Mataram uma criança de 4 anos. Não vão entrar no Cajueiro, não. Seus assassinos”, gritou uma moradora do Cajueiro. Logo, dois homens rebateram e começaram nova confusão.

Região enfrentou dois dias de protestos após morte do menino RyanFausto Maia / Parceiros / Agência O Dia

Entre o grupo que hostilizou moradores da Serrinha, a maioria das pessoas eram meninas adolescentes. Elas demonstravam mais revolta pela morte de Ryan. O suspeito de ser o autor do disparo é, segundo a polícia, o traficante conhecido como ‘Semente’, de 18 anos. Ele integraria o grupo de Walace de Brito Trindade, o Lacosta, apontado pela polícia como chefe do tráfico de drogas do Complexo da Serrinha.

Quem der informações que levem, efetivamente, a prisão do acusado, receberá uma recompensa de R$ 10 mil. Antes, o valor oferecido era R$ 5 mil. Ao subir a recompensa, o portal Procurados ressaltou que Ryan foi morto enquanto a quadrilha de Lacoste invadia o Cajueiro.

“Aqui na Edgard Romero é assim: quem está no Cajueiro não vai para outro lado e vice-versa. Quem for, é considerado inimigo ou invasor. Subir as ruas de acesso é praticamente impossível. Melhor não arriscar”, avisou uma moradora da região que pediu para não ser identificada.

Ryan levou um tiro de fuzil nas costas disparado da Avenida Ministro Edgard RomeroAgência O Dia


ROTINA DE MEDO
De acordo com um aposentado, que mora próximo das duas comunidades, que ficam uma de frente para outra, os tiros dados por bandidos a esmo são comuns. “Isso não é de agora. Sempre aconteceu. Mas essa disputa pelo tráfico aflorou a rivalidade ainda mais. Os dias não são de paz na comunidade, mas sim de inferno”, lembrou o morador.

Após o enterro do menino Ryan, no cemitério de Irajá, na última terça-feira, o protesto terminou em confusão, mas antes moradores do Cajueiro fizeram uma oração, ajoelhados na Avenida Edgard Romero. Durante o discurso de Edson de Castro, presidente do Movimento Somos Todos Vítimas, que apoiou a manifestação, ao lado do avô de Ryan, houve um momento de desconforto. Edson gritou apontando para a Serrinha: ‘Vamos fazer a diferença. Não devemos ser como eles’.

Um morador da Serrinha, amigo da família de Ryan, que estava próximo, interpretou a fala de forma ofensiva, e rebateu: ‘nem todos os que moram lá são inimigos. Se liguem nisso. Sou amigo da família’. Em seguida, ele foi vaiado e hostilizado por um grupo de manifestantes.

Queda de 50% no comércio

Os protestos durante a semana que transformaram a Edgard Romero em praça de guerra afetaram também o comércio em Madureira. De acordo com o presidente da Associação Comercial da região, Horácio Afonso, o movimento caiu 50%. “Na segunda e terça-feira, com lojas sendo fechadas mais cedo, o prejuízo foi grande. Até o Mercadão, que tem 580 lojas, fechou em alguns momentos, pois ainda há um clima de insegurança. A situação fica ainda pior porque não temos o ônibus do BRT em uma estação, que está fechada”, reclamou Horácio.

Para o antropólogo e ex-capitão do Bope, Paulo Storani, a rivalidade entre moradores é compreensível. “É uma questão de mostrar em que lado está para não sofrer represálias. As pessoas têm medo de interagir com moradores de outra comunidade para não ser confundido como traidor, ou seja, o famoso x-9”, observa.

A exemplo do que ocorre com frequência em outras duas favelas vizinhas e rivais da Zona Norte: Chapadão e Pedreira, em Costa Barros, no Cajueiro e Serrinha, em Madureira, é comum os traficantes efetuarem tiros a esmo para o alto dos morros, como aconteceu no caso do menino Ryan, segundo investigações da Delegacia de Homicídios da Capital. “Isso atravessa gerações. Aumentou com as guerras de facções”, avalia Storani.

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