Por gabriela.mattos
Malu Machado foi uma das vítimas que morreram após explosãoReprodução Instagram

Rio - Chamada de ‘fada madrinha’ por noivas e debutantes, a cerimonialista Maria de Lourdes Machado dos Santos, a Malu Machado, convivia com o odor forte de gás, prenúncio da tragédia, justamente há um ano. Ela foi uma das cinco pessoas que morreram nesta terça-feira, após uma explosão por vazamento de gás, no condomínio Fazenda Botafogo, em Coelho Neto, na Zona Norte.

Amigo de uma década da jovem, Jorge Antunes, 38, desabafou no hospital, onde esteve nesta terça-feira para prestar solidariedade à mãe e à irmã da vítima. “Ela era cheia de vida, só fazia o bem para os outros. Não me conformo, pois o cheiro de gás era reclamação não só dela, como de outros moradores.” 

Malu foi contratada para organizar uma festa de casamento no sábado e somente este mês tinha mais duas programadas. Nas folgas da vida agitada, com parte da agenda de 2017 já fechada, a jovem gostava de ir a shows e presidia o fã-clube do sertanejo João Gabriel, paixão que motivou uma tatuagem no ombro da admiradora.

O mais recente encontro entre fã e ídolo teria sido memorável, segundo a homenagem postada pelo cantor nas redes sociais, horas depois do anúncio da morte. Com uma colagem de várias fotos dos dois, João Gabriel falou que tanta dedicação transformou-se em amizade “para todas as horas”. “Hoje o dia amanheceu sem cor, sem luz, já anunciando um vazio eterno. Não consigo acreditar em tudo isso. Na semana passada, em um dos shows mais emocionantes da minha vida, ela me lembrou que era o 150º show, com sua iluminada presença”, postou o sertanejo.

Na véspera, Malu publicou uma autodescrição em seu Instagram: “Quem me vê assim sorrindo, não sabe de tudo o que já enfrentei. Quem me vê chorando, não imagina a força que tenho. Algumas tatuagens escondidas pela roupa e outras tantas, guardadas no coração. E assim sigo, enfrento o mundo e sou feliz do meu jeito!!!”

Vidas perdidas em forte explosão

Karen, de 13 anos, queria ser bailarina. Malu, 31, realizava festas e tinha agenda lotada. Francisco, 55, trabalhava como pintor automotivo e, sua mulher, Rosane, 55, era secretária. José, aos 85, alegrava cultos religiosos tocando teclado. Todos os cinco tiveram suas vidas interrompidas na madrugada de ontem, após uma explosão decorrente de um velho problema: vazamentos de gás no Rio.

Eram 4h40 quando parte do piso do condomínio Nossa Senhora de Santana, no conjunto habitacional Fazenda Botafogo, em Coelho Neto, na Zona Norte, afundou um metro após um grande estouro. “Minha mulher ficou soterrada, mas sobreviveu. Achei que tinha caído um avião. Muita fumaça e cheiro de gás”, disse o professor de jiu-jítsu, Eziel de Paula, 46, morador do primeiro andar, onde oito apartamentos ficaram destruídos e as mortes ocorreram. Outras nove pessoas ficaram feridas.

Vazamento de gás em conjunto habitacional era tragédia anunciada%3A foram 5 mortos e 9 feridos Arte O Dia

Pedidos de vistoria da Companhia Estadual de Gás (CEG) não faltaram. Somente no mês de março, de acordo com a própria companhia, foram quatro chamadas. Já vizinhos relatam que foram 49 queixas de cheiro de gás. “Tinha muito cheiro no pátio interno. Até visita reparava isso. Eles mandavam um profissional que fazia um paliativo e dizia que não tinha vazamento. Só que o negócio estava embaixo, no subterrâneo, onde o encanamento não é trocado desde que o prédio foi construído”, disse o síndico José Airton, 69. Segundo ele, a CEG nunca recomendou a mudança do encanamento.

“Pelo que vi, ocorreu acúmulo de gás que vazou pelos canos de aço na base do prédio. Caberia à CEG orientar o condomínio”, disse Antônio Eulálio, ex-conselheiro do Crea-RJ (Conselho de Engenharia e Agronomia), que atua como consultor de estruturas. “Isso é um misto de omissão e negligência”, concluiu, do lado de fora do prédio, enquanto dezenas de moradores tiravam os pertences.

O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), esteve no local para conversar com as famílias e oferecer ajuda. Foi recebido com vaias. “Faz parte”, disse. Segundo Paes, a prefeitura se antecipou e ofereceu vaga em um hotel próximo às 40 famílias desalojadas. Todas também vão receber uma ajuda de custo mensal de R$ 1.000 enquanto obras de reparo serão feitas nas residências, pagas pelo município. “A gente cobra e exige, mas não sou poder concedente e nem agência reguladora. Tem que ter vergonha na cara quando tem pessoas morrendo pela ineficiência de uma concessionária de gás que simplesmente não aparece e quando aparece não diz ao que veio.”

A gerente de gestão de rede da companhia, Cristiane Delarte, evitou rebater as críticas. “A gente está acompanhando a perícia. Ainda não tem nada conclusivo”.  Segundo a Defesa Civil, o prédio ficará interditado até o final das obras e haverá segurança. Ao anoitecer, moradores ainda buscavam recordações entre os escombros. “O meu bom dia foi com o sangue do meu pai e da minha mãe nas mãos. Vão fazer as obras, mas meus pais não voltam. Isso é Brasil”, desabafou Luis Guilherme, 39, filho de Francisco e Rosane.

Em sua última noite de vida Karen foi à igreja e conversou com o pai

Sentado em frente ao prédio, Cleodon Cordeiro Mello, 38, alternava o olhar catatônico com lágrimas. Tinha acabado de saber que sua filha única, Karen Mello, de 13 anos, havia morrido. “Era uma criança alegre, estudiosa, religiosa, meiga. Fazia muitos planos, nossa última conversa foi sobre sonhos que ela queria realizar”, lamentava.

Mello, que trabalha como carregador em um supermercado, juntava dinheiro para pagar a mensalidade de um curso de balé para a menina. “Ela me disse ao telefone: ‘Pai, quero muito ser bailarina’. Eu iria pagar. Eu pagava a escola, pagava tudo. Estava procurando por um curso e iria fazer a surpresa para ela com essa matrícula”, afirmou.

A sintonia entre os dois podia ser observada nos álbuns de fotos do Facebook de ambos. Na maioria das fotografias, pai e filha aparecem juntos, brincando e sorrindo.

Na sua última noite de vida, Karen foi à igreja evangélica, onde gostava de cantar louvores. Tinha o sonho de ser veterinária, apesar de não ter nenhum animal de estimação no quarto e sala em que morava com a mãe, Jociara Nicassio, 33, e o padrasto, Paulo Roberto Silva, 35.

“Ela deu boa noite e foi dormir no sofá, na sala. Desde os 10 anos não dormia mais no mesmo quarto que a gente”, afirmou Silva, que trabalha como mecânico de refrigeração e foi levado ao hospital após sofrer uma pancada na cabeça. “Eu tratava a Karen como filha. Moramos juntos há cinco anos”, disse ele.
Atordoado, Paulo somente soube da morte da enteada no hospital. “A mãe ainda não sabe (por volta de 10h). Quando ocorreu a explosão corri para a sala. Ela estava soterrada. Nós encontramos a Karem deitada em um cantinho, quieta. Parecia dormir”,disse.

Você pode gostar