Por gabriela.mattos

Rio - "Meu filho não tinha uma arma e foi morto por falta de papel.” O desabafo emocionado é de Márcia Iecker Gomes, mãe do soldado PM Evaldo César Silva de Moraes Filho, de 27 anos, morto com um tiro na cabeça no conjunto de Favelas do Alemão. O policial se formou em março de 2014, mas não tinha o Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF), documento necessário para portar armas particulares, solicitado logo após sua formatura. Na noite de domingo, Evaldo chegava para trabalhar desarmado e não pôde reagir ao ataque. O policial foi sepultado na tarde desta segunda-feira no Cemitério da Saudade, em Sulacap.

A emissão do CRAF é uma reclamação de vários PMs. O documento é confeccionado em papel moeda que, devido à crise do estado, estava em falta na corporação no ano passado. Uma licitação que teve início em novembro de 2015, e só foi homologada em março deste ano, promete resolver o problema. A empresa vencedora recebeu R$ 850 mil para entregar o papel.

Policiais fizeram operação ontem no Complexo do Alemão para localizar os autores do assassinatoEstefan Radovicz / Agência O Dia

Para conseguir adquirir uma arma particular, o policial tem que pedir ao comandante da unidade a autorização. Uma pesquisa social, então, é realizada e, caso seja autorizada a compra, a permissão é publicada em boletim. No caso de Evaldo, a autorização já tinha sido publicada e ele já havia comprado a arma. Mas, para retirá-la, precisava apresentar a autorização no papel moeda, de responsabilidade de confecção da PM.

No CRAF constam o nome do agente e as caracterísitcas da arma. Em nota, o Exército confirmou que Evaldo ainda não tinha o registro de arma em seu nome. “Essas mães estão cobertas de razão. A falta do papel existe, mas não é um papel comum. É um trâmite complicado, mas isso também não é desculpa para que esses policiais não tenham este documento. Na formatura, deveríamos dar uma cautelar e uma arma para cada um”, disse o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame.

“Trabalhar sem chance de defesa, em locais perigosos, por não conseguir a arma por conta de um papel é pedir todo o dia a Deus para não virar estatística”, afirmou um PM que comprou uma arma, mas não consegue retirá-la da loja.

Há apenas dois anos na corporação, Evaldo é o sexto policial morto por traficantes somente este mês no Rio e o 35º este ano no estado. Ao todo, 161 foram baleados desde o início de 2016. O PM estava noivo e havia acabado o imóvel onde o casal morava há pouco tempo.

A mãe do policial que dirigia o carro em que Evaldo estava no momento do ataque contou como foi. “O Evaldo morreu no colo do meu filho. Eram seis bandidos”, lembrou Ademilde da Rocha, 59.

Suspeito usava tornozeleira

Beltrame confirmou que um dos suspeitos já foi preso e identificado nesta segunda-feira, após operação no Alemão que contou com dois carros blindados. Houve troca de tiros e policiais revistaram pessoas nos acessos à comunidade. A ação suspendeu a circulação do teleférico entre 8h30 e 9h45, por medida de segurança.

Segundo Beltrame, o suspeito usava tornozeleira eletrônica desligada desde o dia 23 de abril. Ele foi reconhecido por policiais da UPP por participar de pelo menos três ataques, o último na semana passada, no Alemão. Um menor de 16 anos foi apreendido. Contra ele havia um mandado de apreensão por participação em ataques e envolvimento com o tráfico.

“Foi dada uma tornozeleira para esse marginal para ele matar policial. Então, quando falam que não querem encarcerar menor, que não querem encarcerar os adultos, eu sempre digo que não é possível continuar assim porque não se tem controle”, criticou Beltrame.

Nas redes sociais, moradores relataram o clima de medo. “Chega de mortes, seja de quem for, moradores, policias, bandidos, crianças. Nossas famílias estão sendo destruídas, a guerra não acaba”, disse Márcia Abreu. “Vamos tomar cuidado na hora de levar ou buscar seus filhos no colégio”, publicou o jornal ‘Voz da Comunidade’, que atua no Alemão.

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