Rio - O fracasso da política de segurança pública do estado, atestado pelos últimos aumentos dos índices de criminalidade, colocou em lados opostos o secretário José Mariano Beltrame, e parte da tropa da Polícia Militar. Praças e oficiais ficaram indignados com as declarações de Beltrame ao jornal ‘Extra’, quando ele acusou a Polícia de fazer “corpo mole”.
O presidente da Associação de Cabos e Soldados da PM, Wanderley Ribeiro, defendeu a saída do secretário. “O Beltrame deveria entregar o cargo porque não tem mais condições de comandar a tropa, que está faminta”, afirmou.
Ao DIA, Beltrame aliviou o discurso. Disse que a crise econômica é responsável pelo aumento da criminalidade e que a maioria dos policiais está empenhada em trabalhar na diminuição dos índices.
“Sempre há pessoas que não concordam com as diretrizes, mas isso não é uma coisa específica da polícia, infelizmente isso é normal, inclusive no serviço público”, concluiu. Beltrame adiantou que vai pedir às Forças Armadas que auxilie no patrulhamento da cidade durante os Jogos Olímpicos.
O sociólogo Paulo Storani, que já foi oficial do Batalhão de Operações Especiais (Bope), também considera que o tempo do secretário acabou. “A permanência de Beltrame à frente da pasta de Segurança está impedindo que alguém com novas ideias e mais ousadia assuma o cargo”, afirmou Storani, para quem a situação da segurança pública vai se agravar após os Jogos , quando as tropas federais deslocadas para o estado irão embora.
Para o Coronel reformado da PM Paulo Cesar Lopes, conhecido como “Mão de Ferro”, a opinião do secretário é desprovida de bom senso. “Em termos de segurança pública ele sabe tudo de nada! Não tem preparo, não tem conhecimento de política de segurança”, reclamou.
Lopes também criticou a política adotada por Beltrame na corporação, que ele chamou de "extermínio". "Promoveu um desmantelamento organizacional na PM e exterminou dez turmas de oficiais, que ao chegarem ao ápice da carreira, foram inativados, sem que houvesse tempo hábil para transmissão de conhecimento e experiência. Os comandante atuais são jovens inexperientes. O mais lamentável é que ainda tem a desfaçatez de atribuir aos policiais militares sua incompetência", exclamou.
Nas ruas, o clima entre os PMs é de revolta. O DIA percorreu diversas unidades policiais e encontrou uma tropa desmotivada e chateada com a postura do secretário. Um PM revelou que tem enfrentado tiroteios com munição que não funciona.
“A bala pontiaguda é nova e funciona. A achatada, que está sem a cabecinha, falha”, explicou o PM, exibindo os tipos de cartucho que carregava. “Eu sei que no confronto com criminosos, minha arma vai travar depois do terceiro ou quarto tiro. Vou fazer o quê? Vou morrer? O Beltrame teria que falar menos e fazer mais por nós”, protestou o PM, lotado em uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Zona Norte.
Rio tem aumento nos casos de homicídios dolosos e roubos de rua
O aumento de 15,4% no número de homicídios dolosos, ou seja, com intenção de matar, no período de janeiro a abril comparado ao do ano passado, foi o grande destaque negativo dos dados divulgados ontem pelo Instituto de Segurança Pública do Rio (ISP). Eles são referentes aos Registros de Ocorrência (RO) lavrados nas delegacias de Polícia Civil do estado durante o mês de abril deste ano.
Em relação às ocorrências de homicídios dolosos, foram registrados 1.715 casos entre janeiro a abril deste ano, contra 1.486 crimes ocorridos no mesmo período de 2015.
De acordo com o ISP, o índice de letalidade violenta, que soma homicídios dolosos, latrocínio (roubo seguido de morte), lesão corporal seguida de morte e homicídios decorrentes de oposição a intervenção policial também cresceram. No acumulado de janeiro a abril de 2016 houve aumento de 12,0% em relação ao mesmo período de 2015 (1.818 em 2015 contra 2.036 este ano).
Os roubos de rua também tiveram aumento significativo: somando-se os roubos a pedestres, de aparelho celular e em coletivo, entre janeiro a abril de 2016, houve crescimento de 23,7% em relação ao mesmo período de 2015 (31.083 no ano passado e 38.461 em 2016). Ainda cresceu o número de roubos de carros: 19,7% em relação ao mesmo período de 2015 (10.919 em 2015 e 13.074 em 2016).
Três décadas de trabalho e bolsos vazios
Trinta anos de profissão, mais de 1.200 bandidos presos e menos R$ 25 mil na conta. É assim que um policial civil, que não quer se identificar, se define, desde que passou a esperar para receber a quantia que, segundo ele, o governo do estado lhe deve. A conta é referente ao Regime Adicional de Serviço (RAS) e férias ( R$ 7 mil) e R$ 18 mil de gratificação pelo cumprimento de metas em 2015.
Com a liberação ontem do pagamento do RAS de dezembro de 2015 e janeiro desse ano ele esperava receber R$ 1,1 mil ontem. “Nem isso pagaram. Não sei como ainda não enlouqueci. Queria comprar um imóvel na Região Serrana. Anos dedicados ao trabalho e é isso que recebo, ou melhor, que não recebo”, desabafou.
Ele revelou ainda que a mudança na data do pagamento do salário para o 10º dia útil do mês apertou ainda mais seu orçamento. “Já vendi o carro”, diz ele que ganha, líquido, R$ 7,5 mil. O funcionário pretende ir à Justiça. “É complicado trabalhar e não ter o que é meu por direito”.
A Secretaria de Fazenda informou que as quantias estão sendo pagas de acordo com a disponibilidade de recursos em caixa, sendo os salários prioridade.
Reportagem de Adriana Cruz, Alessandra Horto, Diego Valdevino, Maria Inez Magalhães e Wilson Aquino