Rio - A decretação do estado de calamidade pública foi acertada durante um jantar, em Brasília. O encontro que reuniu o governador em exercício Francisco Dornelles (PP), o prefeito Eduardo Paes (PMDB) e o presidente interino da República, Michel Temer, aconteceu na quinta-feira. Entre uma garfada e outra, no Palácio Jaburu, residência oficial de Temer, os políticos chegaram à conclusão de que a medida excepcional era a melhor saída para resolver os problema financeiros fluminenses.
Um dos objetivos seria contornar a proibição de o Governo do Rio de Janeiro contrair novos empréstimos. Os repasses estavam bloqueados por lei desde maio, quando o estado anunciou um calote na Agência Francesa de Desenvolvimento. Com a medida, o Rio receberá ajuda federal que lhe permitirá concluir obras e serviços ligados aos Jogos Olímpicos. O socorro financeiro é estimado em R$ 2,9 bilhões e deverá ser destinado à conclusão da Linha 4 do Metrô (Barra-Ipanema) e aos gastos extras com segurança nos Jogos.
Um dos artigos do decreto, entretanto, possibilita às autoridades competentes (que não foram discriminadas) adotar medidas excepcionais, que acharem necessárias à racionalização dos serviços públicos essenciais. Isso, na avaliação de especialistas, ameaça os servidores. “As gratificações podem ser reduzidas e até exonerações podem acontecer”, alerta o advogado Sérgio Camargo, especialista em Direito Público.
Fontes do governo garantem que a medida pode beneficiar servidores, já que haverá liberação de verbas da União para pagar salários do funcionalismo.
Para o economista Marcelo Ernandez Macedo, Mestre em Administração Pública pela FGV/RJ e Doutor em Ciências Sociais pela Uerj, a estratégia de Dornelles é equivocada, pois a instabilidade social pode aumentar a níveis alarmantes, gerando ainda mais revolta popular, “o que pode comprometer a realização do que eles querem garantir, que são as Olimpíadas”, disse Macedo.
“É impressionante no texto do decreto como eles nem disfarçam, assumem abertamente que os direitos da população serão duramente afetados em nome dos Jogos. É muita irresponsabilidade na gestão da coisa pública”, reclamou Macedo.
A opinião dele colide com a do presidente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carlos Ivan Simonsen Leal, que elogiou o decreto. “É uma medida exemplar e corajosa que permite trazer à tona a dificílima realidade fiscal. A decisão abre espaço para a implementação, com total transparência de medidas absolutamente necessárias e inadiáveis para a recuperação do estado”, afirma Leal.
A iniciativa do Rio, com o aval da União, pode gerar uma avalanche de decretos semelhantes, na opinião do professor de Finanças Públicas José Kobori. Segundo ele, a manobra do Rio cria uma ‘saia justa’ para a área econômica de Temer. “Todos os estados estão quebrados. Vão todos começar a decretar calamidade para pedir dinheiro? O próximo deve ser o Rio Grande do Sul”, comenta o especialista.
Segundo Kobori, o argumento da Olimpíada pode ajudar o Palácio Guanabara a obter recursos, mas manda um “recado ruim” às delegações internacionais que se preparam para vir ao Brasil. “A gente está avisando ao mundo que não está em condições de receber as pessoas. Cria um clima ruim, de insegurança.”
O governador licenciado Luiz Fernando Pezão, afastado do Palácio Guanabara desde março, para cuidar de um câncer, aprovou a decisão de Francisco Dornelles. “Acho que foi acertada. É uma forma de recebermos ajuda num momento tão difícil”, disse ao DIA. Segundo Pezão, o estado vem tocando obras sozinho, como as do Metrô. Pezão aproveitou para rebater boatos de que não voltaria ao governo depois de seu tratamento. “Estou louco para voltar”, garantiu.
Imprensa internacional destaca o colapso do Rio às vésperas dos Jogos
A imprensa internacional logo repercutiu o colapso nas finanças do Estado do Rio anunciado ontem pelo governador em exercício Francisco Dornelles. A agência de notícias ‘Reuters’ publicou em seu site a manchete ‘Rio declara estado de emergência financeira’.
O decreto também foi manchete no site do jornal americano ‘The New York Times’, um dos mais importantes do mundo: ‘Estado do Rio declara desastre financeiro antes dos Jogos Olímpicos’.
Sendo a primeira vez na história que o estado toma este tipo de medida, a rede de TV americana ‘NBC’ também mencionou a grave crise financeira e o risco de colapso que o Rio está vivendo antes da Olimpíada.
Ao repercutir a notícia, a rede britânica ‘BBC’ destacou que o anúncio é feito a menos de 50 dias da Olimpíada.
O site do jornal espanhol ‘El País’ ouviu especialistas que disseram que o decreto pode servir para justificar uma injeção extra de recursos do governo federal durante o período de restrição fiscal.
Cinco minutos com Raul Velloso, economista
A decretação do estado de calamidade pelo governo do Rio já era previsível, afirmou o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento. Para ele, o governo do presidente em exercício Michel Temer tem como desafio agora encontrar uma maneira de ajudar o Rio antes que algum serviço crucial para a população seja interrompido.
1. Qual será o efeito da decretação do estado de calamidade?
— Vai suspender pagamentos, uma suspensão brutal de pagamentos, porque o buraco é muito grande. Vai ter uma fila, até que se encontre uma forma de financiar o buraco.
2. Essa situação poderia ter sido evitada?
— O problema é que os estados, principalmente o Rio, têm um buraco gigantesco e não têm como financiar. A União teve um buraco gigantesco e financiou. O estado não tem como financiar.(...) Há mais de um ano, o Pezão ia a Brasília bater na porta da Dilma e buscar uma solução. O governo Dilma foi que criou esse problema, com a recessão, e a única coisa que fez foi enrolar o Pezão. O governo Temer pegou na transição e, agora que está começando a tomar pé, vai ter de resolver o problema.
3. Temer vai oferecer ajuda financeira?
— Se ele não fizer nada, daqui a pouco alguma coisa crucial vai ser interrompida.
4. Qual o risco de afetar os serviços públicos essenciais?
— Os serviços públicos já estão afetados. O Instituto Médico-Legal fechou pela segunda vez, tem hospital atendendo paciente no chão.