Por gabriela.mattos

Rio - Diante de tantos casos de abusos sexuais e campanhas de conscientização para a violência contra a mulher, um promotor do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) aumentou a polêmica sobre o tema durante prova oral em concurso do órgão, nesta quarta-feira. Em áudio obtido pelo DIA, Alexandre Joppert, integrante da banca examinadora, deu um exemplo sobre estupro e disse que o estuprador "ficou com a melhor parte, dependendo da vítima". 

"Mediante uma violência física e grave ameaça também. Um segura, o outro aponta a arma, o outro guarnece à porta da casa, o outro mantém a condição dela — ficou com a melhor parte, dependendo da vítima —, o outro mantém a condição carnal. O outro fica com o carro ligado para assegurar a fuga e eles vão se alternando...", disse o promotor de Justiça.


Em nota, Joppert pediu desculpas e explicou que o exemplo foi dado em uma "situação hipotética". O promotor afirmou que a frase gerou "interpretação negativa para alguns e que não deve ser analisada isoladamente, mas sim dentro de todo o contexto da prova". Ele ressaltou que não teve intenção de "patrocinar menosprezo ou desrespeito de gênero".

Segundo o MP, o procurador-geral de Justiça, Marfan Martins Vieira, instaurou um procedimento para apurar a conduta de Joppert. Além disso, o órgão informou que ele foi afastado cautelarmente da banca examinadora até a conclusão da apuração dos fatos.

Alexandre Joppert, que é examinador de Direito Penal, é o mesmo promotor que se negou a interrogar Alexandra Marcondes, ex-mulher do deputado Pedro Paulo Carvalho (PMDB), pré-candidato à prefeitura do Rio, segundo informações da Revista Época.

Alexandra acusou o ex-marido de agressão. Mas, em novembro de 2015, ela voltou atrás e chegou a desmentir as acusações. O promotor foi quem primeiro colheu o desmentido sobre os regis-tros de agressão de Alexan-dracontraPedroPaulo.

Grupos feministas repudiam comentário de promotor

?Além de ter causado revolta aos candidatos, o assunto também repercutiu negativamente entre integrantes de grupos feministas. Para Luise Bello, gerente de conteúdo do coletivo Think Olga, esse tipo de comentário não deveria ser feito em nenhum lugar, principalmente em um órgão de Justiça. A publicitária reforçou ainda que brincadeiras com esse assunto ajudam a "normalizá-lo na sociedade".

"Em nenhum contexto seria aceitável. O estupro é uma das piores violências que existem. Era para ser tratado com maior seriedade. Com a repercussão nas redes sociais, pelo menos nos dá uma esperança de que está ocorrendo um maior amadurecimento sobre isso", destacou Luise.

Assim como a publicitária, a idealizadora do movimento Topless In Rio, Ana Paula Nogueira, reforçou que ele está incentivando a cultura de estupro. "Ele está indo na linha do [Jair] Bolsonaro. Infelizmente, milhões de pessoas pensam que nem ele. Não existe melhor ou pior parte no estupro. Mas parece que virou banalidade, como se estupro fosse algo bom, tivesse mérito e desse prazer", disse. 

Para Daniela Gusmão, presidente da OAB/Mulher, o promotor foi machista. "Foi uma frase infeliz, criminalizadora e preconceituosa. Nós repudiamos esta atitude", destacou.

Confira a nota na íntegra

?Alexandre Couto Joppert, Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, serve-se da presente nota pública para esclarecer fatos ocorridos na tarde de 22 de junho de 2016, durante a realização da Prova Oral do 34o Concurso Público para Ingresso na Carreira do Ministério público, no qual este subscritor funciona como examinador titular da Banca de Direito Penal.

Tais esclarecimentos se mostram imprescindíveis, pois durante uma longa inquirição de 40 minutos a um candidato do citado exame oral, uma pessoa da platéia, aparentemente, teria se incomodado com uma frase incidentalmente dita por este subscritor no contexto da aferição, que foi por ela reputada como reveladora de menoscabo à figura feminina, manifestando seu descontentamento pela rede mundial de computadores e ganhando o fato grande polêmica e repercussão midiática.

Certo é que, durante o referido exame oral, foi indagado do candidato sobre as consequências penais de um imaginário estupro coletivo, em que cada um dos participantes mantinha uma tarefa definida, com um guarnecendo a porta, um segundo permanecendo com o carro ligado para facilitar fuga, um terceiro de arma em punho, um quarto segurando a ofendida e um último mantendo a conjunção carnal, revezando-se os participantes nessas tarefas, até o perfazimento de cinco violações sexuais distintas.

Durante a explicação do exemplo acima citado, meramente hipotético, teria sido esclarecido que cada um daqueles comparsas desenvolveu plenamente, e de forma revezada, sua função criminosa, "ficando o executor da conjunção carnal com a melhor parte dependendo da vítima".

Fixando-se a atenção para esta última frase, geradora de interpretação negativa para alguns, e que, deve ser analisada não isoladamente, mas sim dentro de todo o contexto da prova, devo ressaltar que a proferi sem qualquer intenção, mínima que seja, de patrocinar menosprezo ou desrespeito de gênero.

Com efeito, ao me referir ao fato do executor do ato sexual coercitivo ter ficado "com a melhor parte", estava obviamente me referindo à "opinião hipotética do próprio praticante daquele odioso crime contra a dignidade sexual". Até porque, da mesma forma que "para o corrupto" a "melhor parte ou exaurimento" do crime de corrupção é o "recebimento da propina"; da mesma forma que, "na opinião de um estelionatário", a "melhor parte ou objetivo" do seu crime" é a "obtenção da indevida

vantagem, na mente de praticantes dessa repugnante casta de crimes sexuais, a satisfação coercitiva da lascívia é o desiderato odiosamente perseguido.

Esclareço, por oportuno, minha plena convicção pessoal que toda e qualquer violação contra dignidade sexual nunca comportará "lado melhor ou melhor parte", sendo certo que ao longo de quase 17 anos de carreira no Ministério Público sempre pautei minha atuação no combate intransigente para com toda forma de discriminação e violência física ou moral contra a mulher, tanto que, ao integrar a Subcomissão de juristas constituída pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, no ano de 2012 em Brasília, fui ferrenho defensor do endurecimento das penas dos crimes contra a dignidade sexual e de violência doméstica contra a mulher.

No que tange a parte final da frase causadora de polêmica, consubstanciada na ressalva: melhor parte "a depender da vítima", estava desejando, implicitamente, fazer referência a eventual capacidade aumentada de resistência física da imaginária ofendida, como, por exemplo, a hipótese de a mesma ser graduada lutadora de artes marciais.

Assinale-se que, tanto é verdade que o exemplo cobrado na prova não foi tratado sem a seriedade que merecia, que o próprio gabarito por mim pretendido para a hipótese, e alcançado pelo candidato, era de responsabilizar mais severamente "cada um" daqueles fictícios participantes por cinco crimes de estupro.

Por conta disso, muito me entristece que minha história de vida, minhas convicções absolutamente solidárias com uma sociedade igualitária e despida de preconceitos de qualquer natureza, do meu completo compromisso ético e profissional na luta inapelável pela punição exemplar de todo praticante de delito contra dignidade sexual, ou qualquer atentado moral ou físico contra a mulher, sejam colocados em xeque por conta de uma frase incidental, eventualmente incompleta de seu almejado sentido, mas sem qualquer intento de ofender quem quer que seja.

De qualquer sorte, como a frase em questão foi apta a gerar essas interpretações desviadas da minha genuína intenção, tenho toda a humildade em pedir as mais sinceras escusas pelo desconforto ou descontentamento que a mesma tenha causado, colocando-me à inteira disposição do Ministério Público e da Sociedade para qualquer esclarecimento que se faça a mais necessário.

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