Rio - Depois de amanhã, o constrangedor resgate do traficante Nicolas Labre Pereira de Jesus, o Fat Family, 28 anos, completa um mês. Apesar de todos os esforços da polícia, até agora não há sinal do chefe do tráfico do Morro Santo Amaro, Catete. A dificuldade dos serviços de inteligência em localizar o paradeiro do bandido causa perplexidade, não somente pelo fato de ele estar ferido — foi baleado no rosto durante a prisão e estava hospitalizado. Fat Family, na mais pura tradução, significa “Família Gorda” e o codinome se encaixa como luva: Nicolas é um gigante de mais de 140 quilos de peso. Ou seja: difícil de passar despercebido.
Horas depois do resgate, o diretor das delegacias de Homicídio do Rio, delegado Rivaldo Barbosa, deu a impressão de que a recaptura do traficante era mera questão de tempo. O delegado falou grosso, como se a audácia da quadrilha tivesse mexido profundamente com os brios das autoridades de segurança. “Vai virar questão de honra a gente resolver isso”, declarou. Nos dias que se sucederam, operações policiais descomunais, envolvendo praticamente todos os batalhões da PM e as delegacias especializadas da
Polícia Civil, foram realizadas em mais de 50 comunidades da capital, Baixada Fluminense, Região Metropolitana e dos Lagos. Os resultados foram impressionantes (veja os números). Mas, assim como as palavras do delegado, a caçada não surtiu o efeito desejado. A missão dada, não foi cumprida e Fat Family continua livre.
Além da fuga em si, depõe contra as autoridades policiais o fato de que o plano de resgate era do conhecimento do Centro de Informação e Controle da Secretaria de Segurança Pública. A enfermaria onde ele estava internado, no Hospital Souza Aguiar, referência no atendimento dos Jogos 2016, chegou a receber reforço. Mas, na madrugada em que o hospital foi invadido pela quadrilha do traficante, havia apenas dois policiais militares tomando conta dele.
O bandido havia sido ferido e preso, no dia 13 de junho, depois de confrontar a tiros os agentes da Delegacia de Combate às Drogas(Decod). Enquanto esteve hospitalizado, Fat Family teve direito a visitas e acesso a celulares, o que deve ter facilitado o planejamento.
Apesar do estrago causado na imagem da polícia e do estado, como um todo, já que a fuga ganhou o mundo pela mídia internacional, o entusiasmo para encontrar Fat arrefeceu. A última mega-operação para localizar e prender os criminosos que praticaram a ocorrência no hospital, aconteceu no dia 5 de julho. A PM, por e-mail, informou que “as operações continuam”. A Polícia Civil não se manifestou.
Delegados contaram, porém, que Fat Family não é uma prioridade para a instituição. “Existem traficantes mais importantes. Queremos prender o Fat Family, assim como queremos prender qualquer traficante”, afirmou um delegado, que completou: “quem deve priorizar o Fat Family é a PM, que deixou ele fugir”.
Agentes do setor de Inteligência, entretanto, explicaram que a prisão do traficante é responsabilidade da Delegacias de Homicídios e de Combate às Drogas, que estão filtrando os informes. “Na atual conjuntura de penúria de recursos (que compromete até o funcionamento de seus blindados e helicópteros) e às vésperas da Olimpíada, a polícia fluminense vem se desdobrando em diversas operações, inclusive neutralizando lideranças criminosas mais importantes do que o traficante resgatado”, analisa o diretor regional da Associação Brasileira de Segurança, Vinicius Cavalcante.
A fuga incomodou, porque passa a impressão de que o crime está mais organizado. A demora em capturar o traficante também incomoda, pois faz crer que a polícia está mais desorganizada.
Bandido domina morro ocupado pela Força Nacional
Apesar de o Morro do Santo Amaro, no Catete, estar ocupado, desde 2012, pela Força Nacional, uma tropa de elite do Governo Federal, quem parece mandar naquele pedaço do Rio é a família de Fat Family. O bandido resgatado do Hospital Souza Aguiar assumiu o comando da quadrilha de traficantes local, após a prisão do irmão, Marcos Antônio Pereira Firmino da Silva, o My Thor, 46. Além deles, outro parente, o tio Edson Pereira Firmino de Jesus, vulgo Zaca, também preso, era outro dono do morro. Fat Family responde por três homicídios: dois policiais militares, na Região dos Lagos, e um ex-comparsa, Thiago Silva Andrade, o Gordinho (junto com o tio Zaca), no Morro do Santo Amaro. Ele também é acusado de tentar matar, com rajada de submetralhadora, um policial militar que tentou parar o carro em que ele estava, na subida do morro, em 2010.
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A fuga do traficante Nicolas Labre de Jesus, o Fat Family, além de afrontar a polícia, causou uma crise entre o Poder Judiciário e o Executivo. O juiz da Vara de Execuções Penais (VEP), Eduardo Oberg, acusou o secretário de Administração Penitenciária (Seap), Erir Ribeiro Costa Filho, de tentar costurar um acordo com o Comando Vermelho (CV — facção de Fat Family). O objetivo era impedir a transferência para presídio federal de 15 detentos que comemoraram o resgate do traficante e manter a paz nas cadeias, conforme denunciou com exclusividade O DIA .
Em audiência na Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa (Alerj), o secretário negou a sugestão de acordo com a facção criminosa. Apesar de escandalosa, a acusação do juiz não teve resultados aparentes. Um dos envolvidos no episódio, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, nunca se manifestou sobre o caso. Apesar de o juiz ter enviado relatório com a acusação ao governador em exercício Francisco Dornelles, ele também não se pronunciou. Os presos acabaram transferidos, entre os quais, o tio de Fat Family, Edson Firmino, o Zaca, um dos que festejaram a fuga.
Colaboraram: Adriana Cruz e Diego Valdevino