Rio - A oportunidade era de ouro. Quando a candidatura do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016, a 31ª Olimpíada, foi vencedora, em outubro de 2009, o sonho olímpico ia muito além do pódio. Muitas promessas foram feitas, amparadas nos bilhões de reais que os Governos Federal, Estadual e Municipal, com a generosa colaboração da iniciativa privada, planejavam investir na construção de ginásios, arenas e estádios modernos, e, principalmente, em obras de melhoria na mobilidade, meio ambiente e infraestrutura da cidade.
Tudo para o desfrute da população, após os Jogos, é claro. Era o tal do legado olímpico. Em quase sete anos, cerca de R$ 30 bilhões foram consumidos em nome dos eventos, mas, o sonho do tal legado não vai se realizar em sua plenitude. Inegavelmente, as melhorias aconteceram, porém, muitas chances foram perdidas.
A Autoridade Pública Olímpica (APO), autarquia que reúne os governos federal, estadual e municipal, elaborou um Plano de Políticas Públicas, que previa um conjunto de obras. O legado abordava 27 projetos, mas alguns não ficarão prontos até a realização dos Jogos. A prometida despoluição da Baía de Guanabara, palco de provas olímpicas, é a maior decepção.
“No dossiê da candidatura, havia o compromisso de que 80% do esgoto jogado na Baía seria tratado. Só chegamos a 47%, segundo a Cedae. Mas, nenhum ambientalista acredita nesse índice”, explica Rogério do Valle, professor de Engenharia de Produção da Coppe/UFRJ, afirmando que ecobarreiras e ecobarcos são apenas “medidas cosméticas”. A implantação do tronco coletor para reduzir grande parte da carga poluidora lançada no Canal do Mangue, que deságua na Baía de Guanabara, também não foi feita. “O problema da Baía é a falta de saneamento”, reclama o ambientalista Sérgio Ricardo, afirmando que 80% da poluição vem dos 16 municípios localizados no entorno do espelho d’água.
A Linha 4 do Metrô é outro legado que ficou no meio do caminho. Uma das seis estações previstas no projeto original foi adiada para 2017, e a população só poderá desfrutar do pedaço que ficar pronto, após a Paralimpíada, em 18 de setembro. O Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) foi entregue parcialmente. A prefeitura, encarregada por 14 projetos, conseguiu, aos trancos e barrancos, chegar perto do índice de 100% de obras concluídas.
A revitalização da Zona Portuária, com a derrubada da Perimetral e a criação da Orla Conde, junto com a construção do Parque Radical de Deodoro, que será aberto à população após os Jogos (só não se sabe exatamente quando) estão entre as melhorias festejadas. O Governo Federal também cumpriu sua parte, com destaque para a modernização do Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem (LBCD). Porém, a participação do Governo do Estado se revelou um fiasco, já que não conseguiu cumprir com as suas 10 metas, entre elas as ambientais. Faltando 12 dias para o início da festa, está praticamente tudo pronto. Mas, a incerteza do que vem depois deixa muita gente apreensiva. Com medo de herdar ‘elefantes brancos’.
“Como carioca, espero que todo o ‘transtorno’ que vivemos no período pré-olímpico reflita em melhorias para a Região. Contudo, prefiro invocar o meu lado realista e aguardar os acontecimentos”, afirmou o Presidente da OAB-Barra, Claudio Carneiro, sobre o legado da Olimpíada. Porém, o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF) não quer esperar. Moveu ação civil pública, com pedido de liminar, contra a União, o Estado e o Município do Rio de Janeiro e a Autoridade Pública Olímpica (APO) para a elaboração do Plano de Legado (PL) e do Plano de Uso do Legado (PUL).
A Justiça Federal acatou o pedido do MPF, na sexta-feira, e deu prazo de 20 dias para apresentação dos planos. Para o procurador Leandro Mitidieri, autor da ação, o custo de manutenção futura das arenas e demais complexos esportivos é muito alto. “Caso não haja um planejamento detalhado de sua utilização, de seu custeio, de sua conservação, tais estruturas se transformarão em verdadeiros ‘elefantes brancos’, que logo serão degradadas pela ação do tempo, tendo consumido os tão escassos recursos públicos”. Diante do que se viu após a Copa do Mundo de 2014, a preocupação é pertinente. Que os jogos comecem.
Mobilidade agora prestigia integração
Túneis, mergulhões, viadutos,muita pista e pouco trilho. Durante cerca de sete anos, o carioca acompanhou, com sofrimento, a série de mudanças na infraestrutura da mobilidade. Entretanto, as transformações foram acompanhadas por importante modificação no conceito de transporte público, que agora privilegia a integração. “Não estávamos acostumados com a integração, havia muitas linhas de ônibus sobrepostas. Houve mudança na mentalidade e modernidade”, destaca a professora de Transporte Urbano da Escola Politécnica da UFRJ, Eva Vider. Segundo ela, os grandes eventos detonaram planos que existiam há décadas, como a expansão do Metrô, mas adverte que “ainda faltam olhos para o setor aquaviário. Temos tanta água que poderia ser melhor aproveitada.”
“A Olimpíada vai deixar um bom legado para a mobilidade urbana, entretanto era para deixar mais”, afirma o professor Newton de Oliveira, ex-membro do Observatório Urbano da ONU/HABITAT/UERJ. Segundo ele, a opção de transporte sobre rodas mostra que o legado “foi subordinado à lógica rodoviarista”. “Tinha que ter investido no trem”, concorda Paulo Cezar Ribeiro, professor de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ, afirmando que o BRT Transbrasil, que não foi concluído, deveria ser um transporte sobre os trilhos. Ribeiro gostou dos túneis abertos no programa Porto Maravilha, mas ressalta que a área entre a Rodoviária Novo Rio e o Instituto de Traumatologia e Ortopedia (Into), merece um estudo para melhorar. “O acesso ficou ruim. Houve avanço, mas tem que refinar”, alerta.