Rio - A prisão em flagrante de um coronel reformado da PM pelo estupro de uma menina de apenas dois anos chocou os cariocas. Pedro Chavarry Duarte, de 62 anos, foi preso, na noite de sábado, em um posto de gasolina, na Rua Barreiros, no bairro de Ramos, após, segundo policiais, ser encontrado com a criança nua, dentro do carro.
Segundo as investigações, uma empregada do militar reformado seria “agenciadora” de crianças para o acusado e teria levado a menina até ele. Thuane Pimenta dos Santos, de 23 anos, foi presa na manhã desta segunda-feira na comunidade Uga-Uga, também em Ramos. De acordo com Cristiana Bento, titular da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV), diligências estão sendo realizadas nesta manhã para esclarecer mais detalhes do caso. A Justiça decretou sua prisão temporária e deferiu a busca e apreensão de fotografias, computadores, aparelhos de celular e documentos úteis às investigações nos endereços da mulher e do coronel.
"Ela entregou a criança para ele, isso está comprovado. Estamos buscando mais informações para precisar se ela sabia dos abusos e comprovar sua participação no crime", disse a delegada.
No fim da noite deste domingo, o promotor Bruno Lavorato pediu à juíza Maria Isabel Pena Pierati, no Plantão Judiciário, a prisão temporária da empregada, assim como a delegacia especializada. Segundo o pedido, ela teria parentesco com a mãe da vítima. A magistrada decretou a detenção de Thuane nesta segunda-feira, alegando que a "medida cautelar se faz necessária para o melhor andamento das investigações."
O coordenador de Direitos Humanos do Ministério Público, Marcio Mothé, disse que ainda podem aparecer muitas outras crianças que foram vítimas do coronel. Ele pediu que as pessoas denunciem os casos ao órgão e à ouvidoria do MP, pelo telefone 127.
Chavarry é presidente da Caixa Beneficente da PM e chegou a se candidatar, sem sucesso, a deputado federal pelo PSL em 2014. Antes, porém, ele já tinha sido citado em caso de pedofilia na CPI da Alerj, que investigava esses crimes, na década de 90. O militar foi autuado por estupro de vulnerável e corrupção ativa, já que teria tentado subornar os PMs, e está preso na Unidade Prisional (antigo BEP), em Niterói.
Segundo testemunhas, no sábado, Chavarry passou na lanchonete do posto, por volta das 20h30, e fez um pedido. A vítima estava no banco de trás do carro. Quando uma funcionária do local entregou o lanche ao acusado, viu a menina nua. Essa atendente já teria visto Chavarry outro dia, no mesmo local, com um menino no veículo.
“Ela voltou ao caixa assustada e falou com a gente. Disse que a menina estava nua, de pernas abertas, e que não foi a primeira vez que viu esse homem aqui. No outro dia, era um menino”, contou outra funcionária da lanchonete.
Ao ouvir o relato, uma cliente acionou o 22º BPM (Maré). Os PMs foram ao local e prenderam o acusado em flagrante. Chavarry, que teria dito que a criança era filha de uma conhecida, ainda teria tentado suborná-los. A cena foi gravada pelos agentes e ele foi levado à Cidade da Polícia.
A investigação é conduzida pela Delegacia da Criança e Adolescente Vítima. A menina foi entregue aos responsáveis legais e o Conselho Tutelar acompanhará o caso. Após a abordagem, outros fatos intrigaram a polícia. Duas mulheres teriam aparecido no local dizendo-se responsáveis pela criança. Uma delas levou a certidão de nascimento.
Oferta de suborno gravada
Um vídeo que circula na internet mostra em que o coronel Chavarry teria tentado subornar os policiais militares que o prenderam. Na gravação, o oficial diz: “Resolvo tudo na segunda-feira. Na segunda vai fazer sol. Tá ventando, hoje. Vamos acabar com essa ocorrência”. O vídeo teria sido gravado por um dos PMs que fez a prisão de Chavarry, que se identificou como coronel na chegada dos agentes e teria tentado encerrar a ocorrência. De acordo com o relato dos PMs que participaram da prisão, o oficial ainda ofereceu vantagens e fez gestos como se estivesse oferecendo dinheiro.
Polícia apura se há quadrilha
A Polícia Militar anunciou ontem que o coronel reformado Pedro Chavarry Duarte vai responder a processo administrativo disciplinar (PAD) e submetido a Conselho Disciplinar (CD). O procedimento pode resultar na expulsão do oficial da corporação e perda ainda da remuneração decretada pelo Tribunal de Justiça. Em nota, a PM informou que repudia e combate qualquer tipo de crime.
A corporação confirmou o relato dos PMs que realizaram a prisão sobre a oferta de suborno para que o acusado saísse impune. “A equipe recusou a oferta e o conduziu preso para o registro”, afirmou a PM. O advogado do oficial não foi localizado até o fechamento desta edição para comentar as acusações.
A delegada titular da Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (Dcav), Cristiana Bento, afirmou que chamará as testemunhas para depor novamente. “Quero falar com essas pessoas para tirar dúvidas. Falta clareza nas informações”, disse. Ela ressaltou que não descarta a possibilidade de haver outras pessoas envolvidas no esquema de entrega da criança para ser abusada. “Trabalhamos com essa hipótese sim”. A delegada vai intimar os responsáveis pela menina, que mora com mãe, pai e avó.
Ainda capitão, foi detido em ação de Comissão sobre venda de crianças
Ser pego em flagrante cometendo crimes não é novidade para o coronel da PM Pedro Chavarry Duarte. Na década de 90, quando capitão da corporação, foi preso e autuado em flagrante por tráfico de bebês. O secretário de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, Paulo Melo, então deputado estadual, comandou uma comissão parlamentar na Alerj que resultou na prisão do militar.
“À época fui procurado por uma associação de moradores de Bangu, que relatou o envolvimento de um PM na venda de crianças. Montamos uma operação e ficamos esperando no local usado pela quadrilha como cativeiro, onde os bebês eram deixados de manhã, sob efeito de tranquilizantes, e, à noite, transportados pelo bando. Quem chegou para pegar o bebê, de apenas quatro meses, foi o coronel Pedro Chavarry”, recorda Paulo Melo. O secretário ainda vai apurar como o oficial se tornou coronel com esta ficha.
O histórico de Chavarry não se limita a esses casos. Em 1994, o nome dele constava na “lista do jogo do bicho”, que revelou pagamentos de propinas à policiais e autoridades, pela contravenção. Ele, no entanto, acabou absolvido na Justiça, após investigação conduzida pelo MP do Rio.
Carreira de sucesso na corporação
A página da Caixa Beneficente destaca pontos positivos na carreira de Duarte. Segundo o site, Pedro Chavarry ingressou com apenas 19 anos na Academia de Polícia Militar e, três anos depois, se tornou aspirante. Passando por diversos batalhões, como o 4° Batalhão, em São Cristóvão, 8º, em Campos de Goytacazes, 14º, em Bangu, e 16°, em Olaria.
Ainda segundo a página, Pedro é bacharel em direto e já acumula 42 anos de atividades na Polícia Militar. O oficial está há quase seis anos no comando da Caixa Beneficente e ainda tem em seu currículo a passagem pelo gabinete de quatro comandantes-gerais, relações-públicas da Polícia Militar, membro da mesa diretora da irmandade de Nossa Senhora das Dores da PM e diretor da Caixa Beneficente na gestão do ex-presidente da instituição Ary Lopes.
Colaborou Bruna Fantti e o estagiário Lucas Cardoso