Por gabriela.mattos
Usando o cabelo para esconder marcas de escoriações no rosto%2C Taísa foi defendida pela irmã%2C Luciana%3A 'Ainda sinto muita dor de cabeça'Álbum de família

Rio - "Não consegui ver o vídeo todo, só até a metade. Ainda sinto muita dor de cabeça.’ A declaração da travesti Taísa Vicente da Silva, de 21 anos, mostra o trauma moral e físico das violentas agressões sofridas por ela no domingo, após uma discussão com três homens em plena luz do dia, em Santa Cruz. Rodrigo Luiz Silva Soares, Jorge Batista Ignacio e Cleiton da Silva estão presos preventivamente, por decisão da Justiça, após a divulgação de um vídeo que revoltou internautas nas redes sociais.

Os três foram indiciados por tentativa de homicídio por motivo torpe. A motivação das agressões foi por homofobia, segundo a polícia. A pena pode chegar a 20 anos de prisão. No pedido de prisão, o promotor Bruno Lavorato Pereira Lopes diz que “as vítimas foram surpreendidas e espancadas de forma hedionda, grotesca, animalesca e vil”. Ele também chama a ação de “covarde, duradoura e contínua”, com golpes na cabeça, uso de paus, sem defesa para a vítima, “assumindo totalmente o risco de causar a morte eficaz das mesmas”.

De acordo com Luciana Vicente da Silva, 20, irmã de Taísa e que também foi agredida, as duas voltavam de uma festa e embarcaram em uma van, às 6h. No veículo já estavam Rodrigo, Jorge e Cleiton. Segundo ela, Rodrigo se referiu a Taísa várias vezes como ‘viado’ e fez provocações de cunho sexual ofensivo. Ainda segundo Luciana, Taísa só se descontrolou quando Rodrigo (sem camisa) furou o braço da irmã com objeto cortante. Eles entraram em luta corporal dentro do veículo, e Rodrigo chegou a abrir a porta da van para jogá-la para fora.

O motorista, então, parou o veículo. Já na rua, Luciana conta que tentou apaziguar a briga, e Cleiton chegou a chamar Taísa para pedir desculpas. Na sequência, porém, acrescenta ela, Rodrigo agrediu Taísa com um soco e um chute pelas costas. Já caída no chão, Taísa sofre a série de agressões mostradas no vídeo.

"Hoje sinto uma tremenda tristeza vendo que tudo aquilo aconteceu e que minha irmã tá aqui, viva e bem”, disse Luciana, em tom de agradecimento e alívio. Segundo ela, Taísa sofreu muitas escoriações por todo o corpo e ainda está com o rosto inchado devido aos chutes e pauladas que levou na cabeça, mesmo caída e desmaiada. Ela terá que voltar ao Hospital Pedro II para exames encefálicos.

O delegado Daniel Mayr, da 36ª DP (Santa Cruz), disse que os três agressores se reconheceram na imagens e mostraram arrependimento. Cleiton e Jorge confirmaram as ofensas de Rodrigo a Taísa na van. “O Rodrigo foi o único que negou ter havido ofensa homofóbica. Inventou uma versão fantasiosa de que, do nada, estava sentado na van, ela saiu, voltou e deu uma facada nele. Essa é a versão dele, que por si só, não faz sentido”, disse Mayr.

Segundo ele, Taísa admitiu ter atacado Rodrigo com uma faca, mas ainda apura de quem é o objeto. “A travesti contou que o feriu para se defender”, disse ele, que também indiciou o trio por lesão corporal a Luciana. Mayr aguarda o laudo de exame de corpo de delito das irmãs vítimas da agressão e de Rodrigo para concluir o inquérito.

Apoio jurídico às vítimas

A Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos garantiu atendimento psicológico, social e jurídico às vítimas, por meio do Rio Sem Homofobia. “É um caso que nos deixa enojados”, disse o secretário Paulo Melo, ao elogiar o trabalho da Polícia Civil, que resolveu o caso em poucas horas e prendeu os responsáveis. Para ele, este foi “mais um ato bárbaro e covarde praticado contra a comunidade LGBT”.

De acordo com a psicóloga Carla Ribeiro, especialista em sexualidade, a agressividade motivada por homofobia tem raiz em noções historicamente concebidas do masculino. “Tem um lado todo masculino de poder, do ‘macho viril’. Para esse homem, a diferença mancha a categoria dele, como se a diferença afirmasse que todo homem pode fazer isso. Eles querem eliminar essa diferença”, analisa.

Para a ativista transexual Barbara Aires, estudante de Jornalismo e consultora de gênero, em casos do tipo é importante evitar culpar a vítima, assim como justificar a agressão. “Fico perplexa com os comentários. Nem sempre a pessoa faz alguma coisa para justificar a agressão”, disse.

Brasil: mais mortes por ‘LGBTfobia’

Definido em 2015 pela ONG Transgender Europe como o país onde mais se mataram travestis e transexuais no mundo, as cenas de agressões transfóbicas se tornaram cotidianas. A ONG Grupo Gay da Bahia diz que este ano foram 217 mortes motivadas por ‘LGBTfobia’. O Disque 100 estima que a cada 28 horas um homossexual morre de forma violenta no país.

Em junho, sete mortes LGBT foram registradas no Rio, seis delas em apenas uma semana. O caso mais recente de agressão foi o de cinco jovens atacados em uma estação do BRT na Praça Seca, em julho. Também em julho, um jovem homossexual foi morto dentro do campus da Ilha do Fundão da UFRJ.

Colaboraram Adriana Cruz, Maria Inez Magalhães e a estagiária Alessandra Monnerat

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