Por thiago.antunes

Rio - Três décadas depois da primeira epidemia de dengue no Brasil, completadas este ano, os brasileiros, incluindo os governantes, continuam mantendo as mesmas atitudes de 1986. Por isso os surtos ocorrem desde aquela época, de forma ininterrupta.

O alerta é de Valcler Fernandes Rangel, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção de Saúde da Fiocruz. Por se mobilizarem somente durante ou depois dos períodos de picos da doença — que passou a ser acompanhada também de ocorrências intensas da febre chikungunya e zika, provocadas pelo mesmo mosquito, o Aedes aegypti —, todos os municípios estão sujeitos a repetições anuais de casos coletivos, que só têm aumentado com o passar do tempo.

Pesquisadores trabalham na Fiocruz para produzir vacina contra doenças transmitidas pelo Aedes aegyptiDivulgação

“O país, de modo em geral, ainda não assimilou que tem que se antecipar aos sinais de epidemias. A ficha ainda não caiu quanto a essa responsabilidade. Não existe mágica para a descoberta de vacinas do dia para a noite e nem sumiço de criadouros, caso não haja mobilização constante. Estamos há 30 anos enxugando gelo, botando trancas em porteiras depois de arrombadas”, compara Valcler, que defende foco maior nas condições de melhorias socioambientais e não só no combate ao mosquito em si.

Ele lembra que, desde 1986, o número de municípios com casos de dengue saltou de 258 para 4.265, no ano passado, ou seja, 17 vezes mais cidades atingidas no período. “A melhoria na infraestrutura urbana, no sistema de distribuição de água potável, a ineficiência na coleta de lixo doméstico e sua destinação, ainda precárias, e o desencadeamento de ações mais perenes para a eliminação dos focos do Aedes, ainda são grandes desafios”, enumera.

Risco da chigungunya

No domingo, o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rivaldo Venâncio da Cunha, alertou, em entrevista ao DIA, que, se os cariocas e as autoridades em saúde, não se mobilizarem agora em ações urgentes para eliminação de focos do Aedes, o Estado do Rio, assim como outros do Sudeste, sofrerá uma inédita e grande epidemia de chikungunya.

A situação ainda pode piorar, segundo Valcler, uma vez que que o país vive “um momento crítico politicamente”. De acordo com ele, o possível corte de despesas, decorrente da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 241), medida que o novo governo Michel Temer tenta aprovar no Congresso, representaria redução da ordem de R$ 600 bilhões de investimentos na saúde para o futuro. “É uma tragédia anunciada em relação às políticas de saneamento básico que precisam ser implementadas”, opina.

Brasil lidera corrida para a produção de vacina

Mas nem tudo é desanimador ao revisar os últimos 30 anos de infestação de dengue no Brasil. Valcler e Rivaldo Venâncio concordam que nas três últimas décadas, por exemplo, houve inegáveis avanços no campo das pesquisas. Tanto que o Brasil está na frente da corrida mundial para a produção de uma vacina tetravalente.

“Hoje, além de uma melhor consciência de preservação ambiental por parte dos mais jovens, com um maior comprometimento com a natureza a partir de redes de ensino e Ongs. Também compreendemos melhor a dinâmica de ocorrências da dengue, sobretudo, quais os fatores determinantes para uma maior ou menor epidemia, e a maior compreensão das manifestações clínicas”, destaca Rivaldo.

Valcler também elenca como avanços, a melhoria e ampliação da rede pública de diagnóstico laboratorial; os estudos referentes ao comportamento do Aedes aegypti; e o mapeamento dos aspectos de desenvolvimento de resistências por parte do mosquito a larvicidas. “Embora ainda tenhamos muito que avançar, essas conquistas são dignas de orgulho”, comenta Valcler. No ano passado, o país viveu a maior das epidemias de dengue, chikungunya e zika, com 1,6 milhão de casos e 863 mortes.

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