Rio - A exemplo do Chikungunya, o Zika, com menos de dois anos de vida, ainda gera muitas dúvidas em relação às formas de contágio. Por isso, as grávidas precisam ficar atentas, pois é a única das três doenças provocadas pelo Aedes aegypti que pode provocar má formação no bebê. Mas fora do contexto da gravidez, o Zika já não é tão preocupante, analisa o patologista clínico Celso Granato, que participou do 50º Congresso da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) na última semana, no Rio.
Para ele, houve muito alarde sobre a relação entre a microcefalia e o Zika vírus, mas essa relação não é direta. Segundo Granato, sabe-se apenas que a microcefalia pode ser causada por fundo genético ou outros fatores como malformação do sistema nervoso central, diminuição do oxigênio para o cérebro fetal, desnutrição grave na gestação, entre outros fatores, incluindo o Zika vírus.
“O que a gente sabe é que se o bebê de uma mãe com Zika nascer normal, não tem chances de ter microcefalia e, mesmo tendo nascido com Zika, também não necessariamente vai desenvolver microcefalia”, explica Granato. A chance, diz ele, gira em torno de 10% nos casos em que a gestante é portadora do vírus.
Ele recorda que ainda não existe um tratamento específico para nenhuma delas e a maior urgência do segmento é gerar educação para que os médicos saibam diagnosticar com maior precisão essas doenças endêmicas, principalmente Zika e Chikungunya, que não foram aprendidas na faculdade.
Para o especialista, o papel dos profissionais do laboratório passa a ser fundamental para apoiar as decisões do médico em relação ao cuidado do paciente. “O médico faz um exame para Zika no pré-natal de uma gestante e dá um resultado positivo inesperado, como ele deve orientar a paciente?”, indaga Granato. Ele lembra que ainda não se sabe ao certo quais as chances de a gestante transmitir a doença para o bebê, assim como a chance de um marido diagnosticado transmitir para a mulher.
Força-tarefa para conhecer mais o vírus
O vírus Zika continua atraindo grande interesse da comunidade científica nacional e internacional. Em maio, especialistas do Instituto Fiocruz confirmaram que o Aedes aegypti era, de fato, o principal vetor do Zika. Foi um achado inédito no Brasil e na América do Sul.
No início de setembro, outro estudo da Fiocruz mostrou que o mosquito Culex — conhecido como pernilongo ou muriçoca — que circula no Rio não é capaz de transmitir o vírus Zika. Os mosquitos foram coletados em quatro bairros das Zonas Norte, Oeste e Sul, e submetidos a testes laboratoriais usando duas linhagens do vírus.
Para o virologista Paolo Zanotto, professor do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, o compartilhamento de informações entre os cientistas facilita o avanço das pesquisas. Coordenador do projeto Rede Zika Vírus, força-tarefa liderada pela USP que envolve mais de 40 laboratórios para compreender melhor o vírus, ele esteve no Rio em encontro do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor) para debater os principais avanços que envolvem o vírus.
GRÁVIDAS QUEREM MAIS PROTEÇÃO CONTRA DOENÇA
Pesquisa mostra que elas gostariam de ter feito mais exames para identificar zika
Pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, apoiada pela Fundação Ford e ONU Mulheres, com 3.155 grávidas de todo o país mostrou que 90% gostariam de fazer o teste para saber se tiveram zika na gestação. Destas mulheres, 70% que fazem o pré-natal no SUS queriam ter feito mais exames de ultrassom para acompanhar o desenvolvimento dos bebês. O protocolo técnico do SUS prevê um ultrassom obstétrico com doppler. Outros exames apenas com prescrição médica.
Para Jacira Melo, diretora-executiva do Instituto, a falta de informação pode ser decisiva para a prevenção da zika. A quase totalidade das mulheres ouvidas (96%) estava em acompanhamento pré-natal, mas uma em cada três não tinha recebido orientações sobre o zika vírus. Três em cada 10 grávidas também consideram que há risco para o bebê caso a mãe tenha zika e o amamente. E metade não soube responder se existe algum perigo de o bebê ser amamentado em caso de contágio materno. Um terço delas (32%) acredita que o contágio do feto ocorre apenas nos primeiros três meses – hipótese que já está sendo afastada.
Das entrevistadas, 45% não associam a doença à transmissão sexual, hipótese já confirmada cientificamente, e só 12% delas usam camisinha como método de prevenção contra a zika. Ao todo, 21% ainda associam a microcefalia a vacinas e 45% citam outros fatores como causa da malformação decorrente da zika. Segundo Jacira, as incertezas e angústias revelam a necessidade de políticas públicas e ações informacionais mais eficazes para atender à demanda das mulheres que estão no centro da epidemia.
DIAGNÓSTICO
Bebês devem ser testados
Marina Pita, que coordena a produção de um dossiê sobre zika no Instituto Patrícia Galvão, ressalta a importância de os bebês serem testados para o vírus(teste sorológico) quando nascem, especialmente em áreas epidêmicas.
“Isso porque há bebês nascendo aparentemente sem microcefalia ou demais malformações detectáveis visualmente, mas que, com seis meses apresentam comprometimento motor e cognitivo”, ressalta. Ela lembra que especialistas receiam que existam centenas de bebês nascendo infectados com zika sem que suas famílias ou equipes médicas tenham detectado.
“O poder público se esconde atrás da narrativa de que os exames sorológicos de zika dão reação cruzada com dengue e chikungunya. Mas a verdade é que já há exames com resultados bastante precisos — vale lembrar que nenhum exame tem 100% de precisão — e aprovados pelos órgãos de controle”, critica.
Marina lembra que o Ministério da Saúde anunciou em junho que estava aguardando a aprovação do teste em desenvolvimento pela Bahiafarma. “Mas o teste já foi aprovado e nada de ninguém falar em aquisição dos testes sorológicos. No SUS só está disponível o teste PCR, útil apenas cinco dias após o início da infecção por zika e inútil para boa parte das mulheres, grávidas e bebês”.