Rio - Enquanto os responsáveis pela crise financeira do estado dormem confortavelmente em seus palácios, trabalhadores como Jorge Luiz Laranjeiras Trindade, de 42 anos, estão sendo jogados na frieza das ruas. Há cinco meses sem receber o salário de R$ 1,2 mil, como encarregado de serviços gerais na Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec) e atolado em dívidas, Trindade está “morando” desde terça-feira na esquina da Rua Clarimundo de Melo com Duarte Teixeira, em Quintino, em frente à maior unidade da Faetec. Trindade não está desempregado. Foi colocado em férias, mas sem remuneração. “Eles dizem que não recebem do governo e nos deixam na pior. Nessa situação, ainda tive que ouvir: goze suas férias”, contou.
Falido, o estado não aplicou os 25%, obrigatórios por lei, na Educação. Pelo contrário, cortou recursos do setor e suspendeu o pagamento às empresas terceirizadas que prestavam serviços nas unidades da Faetec. Trindade é funcionário da Atrio Rio Service, que não cumpre com as obrigações trabalhistas e se exime de culpa, sob a alegação de que não recebe repasses do estado. O DIA procurou a Atrio e a Faetec, mas ninguém atendeu os telefonemas.
Enquanto as autoridades não encontram um rumo para resolver a crise, gente honesta e trabalhadora como Trindade perde tudo, até a dignidade. “Estou me sentindo o resto dos restos. As pessoas não acreditam em você, te chamam de vagabundo! Não sou um blefe, sou trabalhador”, desabafa. Não fosse a solidariedade dos colegas de trabalho, ele estaria passando fome. “Trouxe café, água, sanduíche e umas frutas para ele. O Jorge é uma pessoa ótima, é um trabalhador de primeira, daqueles que estão sempre dispostos a colaborar. É muito deprimente ver ele (sic) jogado na rua”, disse a assistente administrativa da Faetec, Roberta Vital, 38, que também está sem receber, mas tem família que a ampare.
“Devo a banco, agiota,prestações de coisas e até a ‘paneleiro’ (vendedor de porta em porta). E a Atrio Rio fala que não tem previsão de pagamento”, reclama Trindade, que sonha em refazer sua história. “Eu quero receber e colocar minha vida nos trilhos novamente. Só isso”.
Contra o fim de Secretaria
Com a possibilidade do fechamento da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, grupos se mobilizaram pela segunda vez esta semana, em ato na Alerj ontem, para discutir os efeitos da perda para os cerca de 6 mil usuários dos serviços. O governo do estado não confirma a extinção da secretaria e diz que as medidas de redução ainda estão em estudo. O deputado Carlos Minc (sem partido) solicitou uma audiência urgente para discutir o caso com o governador em exercício, Francisco Dornelles.
Minc, que presidiu uma audiência pública segunda-feira na Alerj para tratar o problema, disse que a crise financeira no estado não justifica o fim de uma secretaria tão importante e que o impacto, inclusive na segurança pública, pode ser muito grande.
“Com a pasta funcionando temos registrado oito casos de morte por homofobia este ano no Rio. Imagina sem a secretaria? O orçamento da pasta é de R$ 300 milhões por ano. O orçamento total do governo para o ano que vem passa dos R$ 33 bilhões. Não somos ‘xiitas’, queremos nos reunir para sugerir cortes em outras áreas e tentar enxugar os gastos”, disse o deputado.
José Luiz Germano, coordenador do Fórum dos Usuários do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) do Estado, revela que cerca de 6 mil pessoas vão ficar desamparadas se a Secretaria fechar. Entre os beneficiados, estão usuários do Bolsa Família e do Minha Casa Minha Vida, jovens da FIA (Fundação para Infância e Adolescência) e 50 comunidades quilombolas (descendentes de escravos), além de indígenas e até ciganos.
‘No Dia das Crianças, meu filho não quis falar comigo’
Separado e pai de dois filhos pequenos, Jorge Trindade morava, há um ano, na casa da nova companheira, em Cosmos, na Zona Oeste. Entretanto, com a falta de dinheiro, vieram as brigas e ela achou por bem colocá-lo para fora de casa. “Entendo o lado dela. Ninguém vive só de amor”, disse, resignado.
Como não tem pais, nem irmãos, Jorge ficou sem ter a quem pedir ajuda. Só lhe sobrou a rua. “Isso é tudo que me resta”, disse, apontando para uma tábua de madeira e dois pedaços de papelão esticados no chão, que servem de cama, e para a mochila, onde carrega duas calças, um short e duas camisas, além do velho par de tênis.
Apesar de trabalhar na Faetec há 12 anos, ele não recebeu nenhum gesto de apoio. Porém, o que mais lhe causa sofrimento é a distância dos filhos. “No Dia das Crianças, meu filho de 8 anos não quis falar comigo. Estou inadimplente com ele, porque não tenho como pagar a pensão de R$ 200. Quero me reerguer e cuidar dos meus filhos. Jogar futebol, ir com eles à praia. Fazer tudo que me tiraram”. Jorge, que tem 1,78m e pesa 100 quilos, chora.