Por gabriela.mattos

Rio - O que existe em comum entre os mocinhos e bandidos dos filmes do Velho Oeste é o fato de que ambos andam armados e são bons de gatilho. Mas, enquanto um usa o revólver para ameaçar, roubar e subjugar; o outro o usa para autodefesa e a proteção da mocinha em apuros. Em ambos os casos, no entanto, a arma é um instrumento letal. Fora da ficção, mata de verdade e tem o poder de transformar mocinhos em bandidos.

Milhares de cidadãos se propõem a serem os mocinhos da terrível história de violência que estamos vivendo. Eles querem andar armados para reagir. Alegam não querer ser a próxima vítima indefesa dos criminosos. “A violência subiu absurdamente, porque o bandido tem certeza de que não vai enfrentar reação”, afirma o instrutor de armamento e tiro Rildo Anjos. Entretanto, enfrentam a resistência de outros milhares de cidadãos, que têm horror às armas e acreditam que elas só aumentam a violência.

“Antes do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826, de 2003), as mortes por arma de fogo aconteciam nos jogos de futebol, nos desentendimentos do trânsito, na briga das boates. Esses tipos de homicídios caíram drasticamente”, garante o mestre em Ciência Política e pesquisador do Viva Rio, Antonio Rangel Bandeira.

Esse bangue-bangue de ideias em torno das armas deve ganhar o plenário do Congresso Nacional até meados de 2017. O Projeto de Lei (PL) 3722/2012 que revoga o Estatuto do Desarmamento foi aprovado por uma Comissão Especial da Câmara e está pronto para ser votado. A nova proposta legislativa relaxa as restrições à compra, posse e, um dos maiores temores dos desarmamentistas, o porte de arma.

Mazzei e o advogado José Guilherme no stand de tiro. Ele quer andar armado para se defender dos bandidosMárcio Mercante / Agência O Dia

Enquanto o PL não entra em pauta, os apaixonados por armas procuram — e encontram — brechas na rigorosa legislação para adquirir seus revólveres e pistolas. No Brasil existem dois sistemas de controle de armas. Um feito pela Polícia Federal, o Sinarm, que cuida das armas de defesa pessoal, que o cidadão mantém em casa ou no comércio. Segundo os que tentam comprar arma, a Polícia Federal nega 99% das solicitações.

O outro sistema é o Sigma, controlado pelo Exército, que trata de armamentos dos militares, magistrados e dos CACs (caçadores, atiradores esportivos e colecionadores). Entre 2005 — quando foi realizado o plebiscito onde 63,94% da população votou a favor do comércio de armas e munição no país — e 2016, o número de atiradores esportivos cresceu de 25 mil para 106 mil, segundo o presidente do Associação Brasileira de Atiradores Civis (Abat), Arnaldo Adasz. “A negativas da PF tendem a aumentar o número de CACs, sem obrigatoriamente, aumentar os participantes de campeonatos”, reconhece Adasz. O problema é que o Artigo 6, da Lei 10.826, proíbe o porte de arma de fogo em território nacional, salvo para algumas exceções, dentre as quais, atiradores esportivos.

Mas, o Exército não pode dar o porte. Concede uma guia de tráfego específica, que permite transportar a arma separada da munição. E como a Federal se recusa a conceder, muitos atiradores estão contratando advogados para tentar o porte na Justiça. Esse é o caso do carioca Luiz Felipe Xavier Mazzei, 34 anos. Ele tem um revólver e já encomendou outro, mas quer andar armado. “É um direito que não é concedido. Eles alegam que a gente não precisa se defender porque existe a polícia. Nesse raciocínio, tiro o extintor de incêndio de casa porque tem os bombeiros!”, reclama.

“Ao negar a maioria dos portes e até mesmo autorizações de compras e renovações de registros, ao contrário do que muitos imaginam, a Polícia Federal acaba contribuindo para a segurança dos criminosos que cada vez mais têm a certeza de que não encontrarão resistência aos seus atos”, prega o presidente do Movimento Viva Brasil (MVB), Bene Barbosa.

Segundo ele, a Federal só dá a autorização para pessoas com influência política. “Prova disso que o Distrito Federal é o recordista em portes”. “Sou contra o porte indiscriminado mas, a favor, de que se cumpra a Lei.” , afirma o criminalista José Guilherme Costa de Almeida, contratado por Mazzei para tentar resolver o problema do porte.

Os que defendem o Estatuto do Desarmamento estão preocupados com a possibilidade de a lei ser revogada. Recentemente, pesquisadores de instituições públicas e privadas de ensino e pesquisa no Brasil e no exterior lançaram manifesto para “alertar a sociedade brasileira para a existência de fortes evidências que vinculam uma maior circulação de armas de fogo a mais violência letal causada por armas de fogo”. O assunto é polêmico. Até mesmo porque o homem que tem seus direitos violados pode ser tão perigoso quanto o homem armado.

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