Por gabriela.mattos
Rio - Se nas últimas décadas, desde os anos 60, a região preferida dos cariocas para as manifestações era o eixo Candelária-Cinelândia, passando pela Rio Branco, o endereço dos protestos agora é a confluência da Avenida Presidente Antônio Carlos com a Rua Primeiro de Março. Mais precisamente em frente ao Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
A região ganhou as manchetes dos jornais nas últimas semanas, graças aos protestos de cariocas e fluminenses contra o chamado ‘Pacote de Maldades’ proposto pelo governador Luiz Fernando Pezão, cuja medida mais polêmica é o aumento da contribuição previdenciária dos servidores do estado. As medidas ainda precisam de aprovação dos deputados, que devem começar as votações na Alerj a partir desta terça-feira.
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As histórias da Candelária, da Cinelândia e da Rio Branco (antiga Avenida Central) são relativamente conhecidas pelos cariocas, mas somente historiadores, guias turísticos ou curiosos (daqueles bem curiosos) sabem de cor a história das duas ruas que se tornaram o novo centro nervoso das manifestações.
Desde a chegada do ‘Pacote de Maldades’ do governo à Alerj, que começou a ser apreciado pelos deputados há três semanas, a região se tornou cenário de grandes manifestações e confrontos com a políciaLuiz Ackermann / Agência O Dia

Via que liga a Avenida Beira Mar à Primeiro de Março, a Presidente Antônio Carlos leva o nome do ex-presidente da Câmara dos Deputados e do Estado de Minas Gerais, também prefeito de Belo Horizonte e da Assembleia Nacional Constituinte (1932-1933). Democrata convicto, é dele a frase “As democracias vencerão a opressão; sou virtualmente contra as ditaduras”.

A Primeiro de Março, por sua vez, é costumeiramente confundida com uma suposta homenagem à data de fundação da cidade. O motivo do nome, no entanto, é outro: celebrar o fim da Guerra do Paraguai. “D. Pedro II fazia um grande discurso para uma multidão no Largo do Paço, atual Praça XV, em homenagem ao fim da Guerra do Paraguai que terminara poucos dias antes, exatamente no dia 1º de março de 1870, após a Batalha do Aquidabã. Até que um popular gritou: ‘Que essa rua se chame 1º de Março. Ele gostou da ideia e iniciou o procedimento para a mudança no nome da via”, conta o jornalista e pesquisador Leonardo Cohen, em seu site ‘Café História’.
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Os amantes do Carnaval, sobretudo salgueirenses, têm mais familiaridade com as duas ruas, conta o historiador Luiz Antônio Simas. O refrão de 1991, no enredo sobre a Rua do Ouvidor, ficou famoso à época: “Da Primeiro de Março falta um passo, para a Ouvidor. E no samba faltava este traço de amor”.
"Além disso, os desfiles de 1974 e 1975 foram na Antônio Carlos, por causa das obras no metrô. E o Salgueiro ganhou os dois”, explica Simas.
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Quem acha que a região não tem histórico de conflitos também se engana. Basta lembrar que ali ficava o Morro do Castelo, de onde moradores foram removidos no início do século passado para a montagem da exposição comemorativa do Centenário da Independência do Brasil. em 1922.
“Ali ocorreu a invasão francesa, a Batalha do Rio de Janeiro, em 1710/11. Quase cem anos depois, em 1821, mais conflitos, entre partidários da independência contra os que ainda defendiam os laços com Portugal”, lembra Simas.
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Comerciantes estão preocupados com as próximas manifestações
A Primeiro de Março e a Presidente Antônio Carlos têm, em sua extensão, uma série de prédios históricos que fazem parte da paisagem urbana da cidade. Ficam ali o Tribunal de Justiça, os ministérios da Fazenda e do Trabalho, o Convento e a Igreja do Carmo e o Centro Cultural Banco do Brasil.
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Além deles, há marcas que se confundem com a história do país. Está ali, desde 1870, a Pharmácia Granado. A gerente Adriana Pedrosa está preocupada com os protestos. “Fechamos a loja pela primeira vez esta semana após os confrontos. Nunca havia acontecido”, conta.
Quase em frente, O DIA encontrou o sobrinho do fundador da Casa Lidador, na loja provisória montada enquanto a original, de 1924, na Rua da Assembleia, passa por obras. “Meu nome é Cabral, mas não sou aquele. E a população respeita a Lidador. Somos abençoados. Mas não temos isenção fiscal”, ironizou Seu Joaquim Cabral, de 92 anos.