Rio - A pacata Ponta Porã, na divisa com Pedro Juan Caballero, é uma das principais portas de entrada para revólveres e fuzis que abastecem o crime organizado no país. Como a venda é legalizada em território paraguaio, a fronteira com o Mato Grosso do Sul virou uma das principais rotas do tráfico internacional de armas. Numa área de 1,6 mil quilômetros de fronteira seca, quadrilhas de contraventores não encontram dificuldades para entrar no país e abastecer criminosos, que cada vez mais buscam armas de grosso calibre para agir.
Levantamento feito pela PM do Rio apontou a presença de fuzis modelo AR-10 entre os apreendidos, armamento potente de uso do Bope, a tropa de elite da corporação. “O acesso a armamentos militares faz com que a criminalidade se torne mais ousada”, explica Vinicius Cavalcante, especialista em segurança. É o fim da linha de um negócio de alto lucro. Um fuzil AK-47, vendido por cerca de R$ 5 mil no Paraguai, é repassado a traficantes por até R$ 40 mil no mercado paralelo, despertando a cobiça de quem busca enriquecimento rápido.
O primeiro passo é comprar fuzis e revólveres e cruzar a fronteira. “Qualquer um chega no Paraguai e compra. Há facilidade para cruzar a fronteira, porque o território é imenso. O principal objetivo desses contraventores é levar essas armas para traficantes de Rio e São Paulo”, explica Marcelo Vargas, delegado-geral da Polícia Civil do Mato Grosso do Sul.
Mas essa é apenas uma das rotas dos contraventores, que também cruzam a fronteira entre Ciudad del Este, no Paraguai, para entrar em Foz do Iguaçu, no Paraná. Aliás, o governo paranaense instalou o Centro de Inteligência e Operações de Fronteira no local para trabalhar em parceria com outros estados. “A intenção é receber e trocar informações com todo o país, melhorar a qualidade de trabalho na Tríplice Fronteira, contrabando de armas, drogas e buscar a redução dos índices de criminalidade”, explicou o governo do Paraná, em nota.
O advogado Fernando Humberto, especialista em armas, acredita que guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (as Farc), que acabaram, vão abastecer o tráfico no Brasil com mais de 20 mil fuzis, cruzando a fronteira entre Letícia e Tabatinga, no Amazonas.
Segundo ele, a tendência é que armamentos pesados, como fuzis .50 e RPG, uma arma de apoio destinada ao lançamento de granadas, vão entrar com mais frequência no país. “São capazes de destruir um caveirão de ponta a ponta, que vão entrar no país de caminhão. A única forma de impedir a entrada é fazendo um bloqueio nas fronteiras com raio-x, leitura de placa, leitura facial e um sistema computadorizado que repasse as informações às autoridades”, argumenta o advogado, autor de um projeto para impedir a entrada de armas, drogas e contrabando nas fronteiras.
O coronel Ubiratan Ângelo, coordenador da ONG Viva Rio, acredita que a solução é apostar em investigações. “Temos uma fronteira grande, com escassez de recursos. É preciso aumentar a capacidade de investigação”, propõe. Após cruzarem a fronteira, os criminosos negociam armamento, principalmente com bandidos do eixo Rio-São Paulo, onde ficam as maiores facções em atividade no país. E onde conseguem a maior margem de lucro.
Prejuízo bilionário
Para o crime organizado, o interesse por armas cada vez mais potentes não se limita à guerra entre o tráfico e as autoridades. O poderio bélico virou investimento para atividades criminosas capazes de gerar um retorno bilionário. Um estudo do Sistema Firjan divulgado no mês passado estima um prejuízo de R$ 6 bilhões nos últimos seis anos no país em decorrência do roubo de carga, registrando um aumento de 86% nesse tipo de crime.
De acordo com o levantamento, um caminhão é roubado no país a cada 23 minutos. Só no ano passado, foram 22.550 ocorrências — 87,8% delas ocorreram no eixo Rio-São Paulo, reforçando o interesse de criminosos dessa região na procura por armas de grosso calibre. A grande incidência de crimes mobilizou empresários do setor.
O Polo Empresarial da Pavuna, composto por 72 empresas, investiu R$ 250 mil na compra de câmeras de vigilância, conectadas em tempo real com as polícias Federal, Rodoviária Federal, Civil e Militar. As imagens comprovam a preocupação dos criminosos em adquirir armas de alto poderio bélico. Um vídeo registrado em novembro do ano passado mostram uma quadrilha agindo. “As cargas de alto valor normalmente têm escoltas. Por isso, os criminosos usam pelo menos seis fuzis para render os caminhões”, explica Marcelo Andrade, diretor do Polo.