Por karilayn.areias

Rio - Desempregada, a secretária X.. de 34 anos, viu na revenda de cosméticos a saída para as dívidas. Encomendou em dezembro, itens de beleza de uma conhecida fornecedora. Ela esperou dois meses e nada dos produtos chegarem. Ao recorrer, no dia 18 de fevereiro, a um site de reclamações, a equipe de relacionamentos da empresa alegou que já havia encaminhado os pedidos para uma transportadora, com quem “deveria se entender”.

“Na época, a transportadora me deu uma resposta inacreditável. Como moro na Pavuna (na Zona Norte do Rio, considerada uma das áreas mais temidas da cidade pela violência), o caminhão de entregas deixou de circular pelo bairro. E eu é que deveria ir buscar minhas encomendas. Um absurdo”, desabafa X.

Só a PRF prendeu%2C em 2016%2C nas dez rodovias federais do Rio%2C 3.987 ladrões de cargas(um a cada duas horas)Divulgação

INFOGRÁFICO: Área crítica e prejuízo provocado por roubos de cargas

Estima-se que pelo menos 200 mil pessoas, como X., morem em ruas e avenidas da região, batizadas de ‘CEPs (em referência aos Códigos de Endereçamentos Postais dos Correios) do Inferno, ou do Medo’. Nelas, os moradores vivem uma situação surreal: diariamente veem, de suas janelas, caminhões com móveis, alimentos, eletrodomésticos e bebidas, trafegando em alta velocidade. Mas não são compras feitas por eles. São cargas roubadas por traficantes. O destino são os complexos de favelas como Chapadão, Pedreira e Lagartixa, em Costa Barros.

Nessas comunidades, conforme motoristas vítimas dos bandos, as mercadoridas são descarregadas em minutos. “Preciso de um sofá novo e uma geladeira, mas a loja informou que não entrega aqui (na Estrada Rio do Pau) por causa dos frequentes assaltos. Eu é que tenho que providenciar o frete, que não sai por menos de R$ 150. Tem cabimento/”, lamenta o porteiro Y., de 34 anos.

A situação é mais grave onde as quadrilhas impõem diariamente o terror. É o caso das ruas Herculano Pinheiro, Embaú, Mercúrio, Avenida Chrisóstomo Pimentel de Oliveira (antiga Estrada Rio do Pau), Cel. Moreira Cézar, Solon, Sargento de Milícias e Alcobaça.

“Esses logradouros são os principais CEPs do Inferno”, garante o diretor de Segurança do Sindicato de Transporte de Cargas (Sindicargas), coronel Venâncio Moura. Ele conta que o apelido foi dado por representantes das 50 empresas que ainda integram condomínios logísticos na área da Pavuna. “Nenhuma transportadora se arrisca mais a fazer entregas nos ‘CEPs do Inferno’. Dos condomínios da Pavuna e região, por sua vez, as carretas só saem sob fortes escoltas”, diz.

Dos 9.870 roubos de cargas registrados no estado em 2016 (2.645 a mais que em 2015), 3.500 (mais de um terço do total) ocorreram nas imediações da Pavuna, Ricardo de Albuquerque e adjacências.

Concessionárias têm dificuldade para atuar

Conforme O DIArevelou em dezembro, para evitar confrontos, as facções Comando Vermelho (CV), Amigos dos Amigos (ADA) e Terceiro Comando Puro (TCP), loteiam áreas de ataques a cargas.

A ação dos criminosos, porém, vai mais longe: eles só permitem que funcionários de concessionárias atuem nos ‘CEPs do Medo’, se morarem lá.

Dos 96 registros em delegacias feitos pela Light, por exemplo, entre 2014 e 2016, de roubos, sequestro- relâmpago e lesão corporal, envolvendo seus colaboradores, 60% ocorreram na Zona Norte.

Ronaldo Martins, presidente do Sindicato dos Correios, disse que dos 1,2 mil carteiros afastados por problemas psicológicos, vítimas de violência, 70% atuavam nos ‘CEPs do Medo’.

“Nesses lugares, só entregamos cartas. Cartões de crédito, celulares, eletroeletrônicos e outros objetos de valor, têm que ser apanhados pelos moradores nas centrais dos Correios. A empresa só tem dez escoltas”, critica. Apesar da crise, a Polícia Militar garante que vem reforçando o policiamento ostensivo nas áreas de conflitos, e que ações, inclusive, podem ser acompanhadas pelo site www.pmerj.rj.gov.br.

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