Por luana.benedito

Rio - A rotina frequente de violência que já matou 18 pessoas nos primeiros quatro meses deste ano no Complexo da Maré deu espaço à flores brancas, manifestações artísticas, culturais e um grito de paz, na tarde desta quarta-feira, no conjunto formado por 16 favelas, na Zona Norte do Rio. Moradores, artistas, políticos, movimentos sociais, além de lideranças religiosas e comunitárias participaram da "Marcha contra a Violência". De acordo com o Fórum Basta de Violência! Outra Maré é possível, organizador do ato, cerca de quatro mil pessoas participaram da manifestação.

Moradores%2C artistas%2C políticos e movimentos sociais participaram da Marcha da MaréDivulgação

"Foi histórico. Hoje os fuzis baixaram e deram lugar às flores carregadas pelas crianças", disse a vereadora e também moradora do conjunto de favelas, Marielle Franco (Psol). O ato teve duas concentrações uma no Parque União e outra no Conjunto Esperança, os dois grupos de manifestantes se encontraram na Rua Evanildo Alves, próximo à Lona Cultural Hebert Vianna. 

"Foi importante tenha acontecido ali, pois esta via é considerada uma 'Faixa de Gaza', porque fica entre dois grupos armados rivais', afirma a vereadora. No local, foi lida a carta política do ato, artistas da Maré fizeram apresentações musicais e de dança e mães que perderam seus filhos para a violência deram depoimentos. 

Cerca de quatro mil pessoas participaram da manifestação, de acordo com os organizaresDivulgação / Fórum Basta de violência! Outra Maré é possível

Dilma Xavier Galdino, mãe de Davison da Silva, de 15 anos, morto quando saía para ir à padaria, na favela Parque União, ressaltou a importância da manifestação. “É importante que todos vejam o que acontece aqui, a violência que nós vivemos, inclusive a dos policiais”, afirmou.

Marcas de tiros deram lugar à flores no Complexo da MaréDivulgação

Para Marielle, além dos pedidos de paz é importante que exista um debate sobre segurança pública nas favelas. "Falta dignidade para a população. Há os confrontos entre as facções e também as incursões policiais com a justificativa dos conflitos, das cargas roubadas... As crianças ficam sem aula e o morador não consegue sair de casa para trabalhar", comenta. "O ato é um recado que a gente não vai aceitar opressão".

Já para a pesquisadora em Educação e Políticas Públicas, Shyrlei Rosendo, afirma que é possível construir uma política de segurança inteligente e que poupe vidas. “A sociedade não vê o morador de favela como um sujeito de direito à segurança pública, mas como ameaça. A violência vivida na Maré é transversal à cidade, mas as favelas, em geral, se tornaram o território privilegiado para a guerra”, diz a moradora da Maré.

A marcha também contou com alunos das escolas do complexo de favelas. Os estudantes seguravam faixas e cartazes onde pediam o direito à vida e o fim do preconceito com os moradores de favelas. Muitos artistas também participaram da manifestação, entre os atores presentes, estavam Caio Blat, Enrique Díaz, Mariana Ximenes, Maria Luísa Mendonça, Mariana Lima, Patricia Pillar, Zezé Polessa, Beth Gofman, Camila Pitanga, Paula Burlamaqui e Igor Angelkorte.

Cerca de 75% dos moradores não aprovam presença de Forças Armadas, diz ONG

A ONG Redes da Maré divulgou, nesta segunda-feira, uma pesquisa feita com os moradores sobre a presença das Forças Armadas na Maré. O estudo "A ocupação da Maré pelo Exército brasileiro — Percepção de moradores sobre a ocupação das Forças Armadas na Maré”, foi coordenado por Eliana Sousa Silva, doutora em Serviço Social pela PUC-Rio e diretora da ONG.

Camila Pitanga e Mariana Ximenes na Marcha da MaréReprodução Internet

De acordo com a diretora, o levantamento foi realizado entre fevereiro e setembro de 2015, durante a ocupação e foram entrevistados mil moradores, com idade entre 18 e 69 anos, nas quinze favelas ocupadas pelo Exército — apenas Marcílio Dias não teve presença das Forças Armadas. Menos de 1/4 da população da Maré consideraram a ocupação ótima (4%) ou boa (19,9%), enquanto 75,3% avaliaram como regular (49,5%), ruim (11.9%) ou péssima (13,9%). E, para 69,2% da população da Maré, a entrada das Forças Armadas não aumentou a sensação de segurança. 

“Não há como não considerar a ocupação um fracasso, tendo em vista as expectativas da sociedade — e dos próprios moradores — frente a um investimento tão vultoso do ponto de vista econômico, logístico, militar, político e social”, afirma Eliana Silva. “O preço que se pagou foi muito alto para que nenhum avanço estrutural tenha ocorrido”, completa.

Ainda segundo a ONG, durante os quinze meses em que as Forças Armadas ocuparam o conjunto de favelas da Maré, foram gastos R$ 1,6 milhões por dia (R$ 600 milhões no total). No entanto, entre 2009 e 2015, o investimento da prefeitura em programas sociais na região foi de R$ 303,63 milhões — metade do investimento realizado com a Força de Pacificação em um ano e três meses.

Reportagem da estagiária Luana Benedito, com supervisão de Thiago Antunes

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