Por nadedja.calado

Rio - A crise econômica que sufoca o brasileiro e vem gerando recordes de desemprego em todo o país está ajudando a criar uma legião de novos empreendedores. Pessoas que perderam seus empregos formais, não encontraram mais oportunidades no mercado e partiram para voos solo, em busca da sobrevivência. Mas se tornar empresário do dia para a noite não é tão simples assim. Foi pensando nestas pessoas que o escritor e ativista social Anderson França, o Dinho, criou em 2013 a Universidade da Correria, um projeto que forma jovens da periferia em empreendedorismo, oferecendo capacitação, mentoria e, claro, muita prática.

Nos últimos quatro anos, a UniCorre formou 4 mil alunos e ajudou a desenvolver 200 negócios que continuam ativos. Na próxima terça-feira, dia 1º de agosto, uma nova turma, formada por 20 mulheres, será iniciada.

Segundo Dinho, nos próximos meses, elas vão aprender a montar um negócio de maneira sequencial e a lidar com o dinheiro. "Dinheiro é uma coisa muito séria para a classe trabalhadora. Não fomos educados para isso e precisamos virar essa chave. É para essa classe que se volta o mercado publicitário, que estimula a gastar, mas não a ganhar e guardar dinheiro. E as pessoas esperam, além da metodologia, um fator inspiracional", afirma.

A próxima turma será tema de documentárioDivulgação

O projeto é fundamental para o Rio de Janeiro, um dos mais afetados pela recessão. O estado tem mais de 1,2 milhão de desempregados, e perdeu, só no mês de julho, 2.062 lojas, segundo dados do Centro de Estudos do Clube de Diretores Lojistas do Rio (CDLRio). Ou seja: há cada vez menos vagas formais, e um número crescentes de pessoas buscando oportunidades. Empreender, portanto, é uma solução real para a crise.

No processo seletivo, o projeto acolhe quatro perfis principais de empreendedores. Moradores da periferia - subúrbios, favelas e Baixada - são o primeiro deles. Para Dinho, "periferia é tudo aquilo que está atrás da linha de privilégios". O segundo perfil é o dos chamados afroempreendedores: "É uma disputa de espaço econômico para consolidar a classe média negra. A questão da emancipação negra pode vir pela riqueza, é uma decisão pessoal de representatividade e identidade", considera.

Outro perfil alvo é o das pessoas LGBT: "A diversidade sexual envolve um mercado diferente, outras relações entre direito e consumo", diz Dinho. Segundo ele, a presença de pessoas homo e transsexuais tem sido frequente nas turmas. Por fim, o curso está focando cada vez mais nas mulheres. "Elas são capazes de consumir em rede. A mulher é o futuro econômico", afirma.

A Pequena Cozinha reúne microempreendedores gastronômicosDivulgação

A próxima turma será patrocinada pelo Canal Futura, que irá co-produzir um documentário sobre a experiência. O perfil dos alunos chamou a atenção da emissora. "Esse é um dos públicos com quem o Futura quer dialogar mais proximamente e achamos uma grande oportunidade. As temáticas da juventude, etnico-racial e de gênero são prioritárias no Futura. Esperamos que o documentário consiga retratar toda essa riqueza", explica Ana Paula Brandão, responsável pelo projeto.

As aulas da UniCorre aconteceram no Galpão da Cidadania, em frente ao Cais do Valongo. Lá também é a casa d'A Pequena Cozinha, uma empresa colaborativa onde microempreendedores gastronômicos, formados pelo curso, concentram sua produção, que atualmente é entregue por telefone e através de aplicativos como iFood e UberEATS.

O projeto também conta com uma loja colaborativa, que nasceu no Shopping Nova América - onde chegou a ter um faturamento de R$ 50 mil mensais - e hoje funciona em parceria com o Carioca Shopping, na Vila da Penha, Zona Norte do Rio. Atualmente dez expositores, todos ex-alunos da UniCorre, se revezam nas escalas e vendem seus produtos na loja. Roupas, acessórios, itens artesanais, eletrônicos e brinquedos dividem as araras, prateleiras e manequins. Os produtos chamam a atenção do cliente pela modernidade, com alusões a ícones da cultura pop, moda afro e as últimas tendências das passarelas.

O casal Cíntia e Emanuel Vieira expõe na loja as roupas da marca 'Tendência Black'Alexandre Brum / Agência O Dia

"A gente estuda o mercado, o que está na moda. É um ambiente convidativo e tranquilo. Quando um cliente entra na loja nós explicamos o conceito e eles sempre ficam encantados", comemora a gerente da loja, Tatiana Gracine, que vende eletrônicos importados. Moradora de Bangu, ela chegou a ter uma loja, que fechou por conta da crise, mas conseguiu impulsionar seu negócio após o curso na Universidade da Correria. "Foi um divisor de águas. Não é só vender, tem muito estudo por trás, você precisa ser especial", afirma.

A UC Store funciona em parceria com o Carioca ShoppingAlexandre Brum / Agência O Dia

Cíntia e Emanuel Pereira, que vieram da Bahia e hoje moram em Seropédica, na Baixada Fluminense, criaram a marca de roupas "Tendência Black" e costumavam expor em feiras. O casal fez o curso da UniCorre em 2015. "Nos colocou na direção certa. Nossa visibilidade aumentou muito. Aprendemos tudo do zero, melhoramos nosso marketing e tivemos consultorias depois, para que o negócio não se perdesse. Empreender é uma forma de resistência", afirmam.

Para Leonardo Vieira, superintendente do Carioca Shopping, a loja é um sucesso: "O Shopping aposta nessa nova tendência mercadológica. Não queremos apenas fazer parte, queremos sair na frente. É um conceito novo para o varejo, queremos que o público entenda o que é a proposta, a questão da educação do microempreendedor, do 'coworking', e estamos investindo nisso", afirma.

Reportagem da estagiária Nadedja Calado, sob supervisão de Joana Costa

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