Por FRANCISCO EDSON ALVES

Rio - Intensas rajadas de tiros de fuzis e rasantes de helicópteros da polícia têm interrompido com frequência as orações das 27 irmãs clarissas que vivem sob clausura (sem contato com o mundo externo) no Mosteiro de Nossa Senhora dos Anjos, na Gávea. A instituição, um oásis de paz prestes a completar 90 anos de fundação, a cerca de três quilômetros da Favela da Rocinha, onde os confrontos pela disputa do tráfico se acirraram, virou o maior símbolo de esperança para os sobressaltados vizinhos. Uma média de 100 pedidos de orações chegam ao mosteiro por dia.

"Nossa capela passou a receber mais fiéis e solicitações de preces para que a situação se acalme. Na maioria das vezes, os pedidos de socorro chegam por cartas e bilhetes", destacou a abadessa, madre Maria Pacífica de Jesus Crucificado, cujo nome de batismo é Gláucia Garcia de Almeida, de 83 anos, 63 deles enclausurados. Ao lado dela, um cesto repleto de súplicas em pequenos pedaços de papéis. "As orações ajudam muito, mas os governantes têm que fazer a parte deles também, com mais ações em segurança", alfinetou, em tom de puxão de orelhas nas autoridades.

No parlatório%2C atrás de grades%2C as irmãs clarissas se orgulham da rotina de fé e oração%2C apesar dos sustos com os intensos tiroteiosMárcio Mercante / Agência O Dia

Violência alterou rotina

Madre Pacífica conta que são constantes os 'sinais sonoros' que indicam o domínio da violência do outro lado dos muros do convento, de seis andares, fincados junto à mata fechada. A floresta corta os fundos da imponente construção. "Esses dias, suspeitos fugiram pela vegetação, passando por dentro do mosteiro, em direção ao Horto e Jardim Botânico", lamentou, preocupada, pois o local é usado pelas irmãs para retiros espirituais e meditações, nos chamados 'Dias de Deserto'.

O terror na Rocinha obriga as freiras algumas enclausuradas há quase seis décadas a encurtarem horários de preces e mudarem a ordem de tarefas. Os fiéis encontram horários de missas e visitas ao parlatório pelo site www.irmasclarissas.org.br.

 

Irmã Maria Bernadete da Imaculada Conceição, batizada Maria da Glória Barros, 71, completou meio século de clausura domingo. "Há 50 anos ouço as aflições da comunidade, mas nunca me acostumo. É assustador", testemunhou.

As três únicas irmãs que saem periodicamente para comprar remédios e alimentos Maria Lúcia, Nair e Maria Regina são as que tentam atualizar as notícias. "Elas relatam o desespero das pessoas nas ruas. Dessa forma, temos uma dimensão melhor do que está ocorrendo, já que, pelas regras, não temos acesso à TV, rádio ou jornais", explicou irmã Maria Clara da Trindade, 59.

Vizinha do convento, a contadora Jane Alves, 49, passou a ir diariamente à capela do mosteiro. "Peço livramento de balas perdidas para todas as pessoas", declarou. Por enquanto, porém, seus apelos não foram atendidos. Na sexta-feira, uma adolescente de 16 anos foi atingida por um tiro nas costas na Rocinha, dentro da própria casa.

Por outro lado, a voz uníssona das freiras e seus cânticos gregorianos, carregada de religiosidade e fé, transpõe os altos muros do convento. E ameniza, vez e outra, o ritmo aterrorizante dos tiroteios na região.

Um olho na missa e outro na RocinhaMárcio Mercante / Agência O Dia

Irmã conviveu com tiroteio na Zona Norte

Tiroteios na Rocinha fazem irmã Beatriz de Jesus Salvador, 41 anos, ter frio na espinha. Há 11 na clausura, e uma das cinco fluminenses do grupo, ela lembra de quando morava em Olaria, na Zona Norte, e ia ao Morro do Alemão e Vila Cruzeiro, sob fogo cruzado.

“Mesmo em missão de paz, tinha que pular sobre fuzis para passar. Infelizmente, a violência ainda impera, também na Zona Sul. Mas Deus é maior”, acredita. A rotina monástica começa às 4h30. “Até 21h, rezamos e cantamos em nome dos que lá fora não podem, ou não querem; limpamos o mosteiro; e produzimos artesanatos, vendidos para nosso sustento”, disse Maria José de Jesus Crucificado, 39, do Paraguai, interna há 11 anos. Como as colegas, ela enfrentou resistência familiar ao anunciar, “não o isolamento, mas a abertura para o infi nito”. Assim interpreta a clausura. As freiras, que cuidam ainda até de um cemitério interno, com 12 jazigos, recebem parentes esporadicamente.

Atrás de grades. A mais idosa hoje é irmã Maria Leonarda, de 96 anos, há 63 lá. Maria Mirtes, 33, é a “caçula”. As clarissas foram as primeiras religiosas portuguesas a chegar ao País, em 1677. Do convento carioca, de 1928, já nasceram 15 filiais. “Ainda há oito vagas para irmãs”, anuncia madre Pacífica.

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