Por gabriela.mattos
Rio - Os 80 dias transcorridos desde o início da guerra da Rocinha até a prisão do traficante Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, na quarta-feira, foram regados a festas em bailes funk, ligações ao Disque-Denúncia com falsas informações sobre o seu paradeiro e brigas constantes com aliados, incluindo a mãe da sua filha, que pediu divórcio. O criminoso confiava tanto que não seria preso, que voltou inúmeras vezes à Rocinha, furando o cerco de 500 policiais militares.

Até a primeira fuga da favela, ocorrida em 22 de setembro, dia em que as Forças Armadas cercaram a Rocinha com 950 homens, Rogério dividia seu tempo em administrar o tráfico de entorpecentes e festas. "Gostava sempre de meninas novas. Era muito mulherengo", disse um amigo, que pediu para não ser identificado. "Ele se escondeu no mato na parte alta, assim que o Exército cercou a favela. Quase foi preso, pois os helicópteros davam rasantes em cima do grupo. Tinha medo de que atirassem da aeronave", contou. Após receber inúmeras ligações de chefes do Comando Vermelho, fugiu para o Morro do Turano, onde foi recebido com festa.

Bando ligava informando paradeiro falso de 157 para despistar agentes e ele circular entre favelasSeverino Silva / Agência O Dia

Na delegacia, negou que tenha saído de moto da Rocinha e não quis dizer os nomes dos traficantes do CV que o chamaram para a facção. "Recebi ligações de pessoas diferentes, não um só convite. Não posso dizer que partiu de um chefe somente", afirmou Rogério a delegados, na Cidade da Polícia. Nomes, citou somente na intenção de livrar amigos da prisão, como o de Fabiano Batista Ramos, o MC Tikão, apontado pela Delegacia de Combate às Drogas (Dcod) como o articulador da sua mudança de quadrilha. "O Tikão toca em várias favelas da ADA e do CV, é um artista. Não me ajudou com a fuga", contou. O funkeiro chegou a ser preso e continua sendo investigado. Ele nega as acusações.

Sentado e algemado na sala da delegacia Fazendária, Rogério achou graça de agentes que pediam para tirar fotos ao seu lado. Um dos seus advogados afirmou que ele ainda fez chacota com o agora rival, Antônio Bonfim Lopes. "Bem diferente do Nem, não?", disse, puxando a gola da camisa e caindo na risada. Ele imitava a condução policial de Nem à sede da Polícia Federal, na ocasião em que foi encontrado no porta-malas de um carro e preso, em novembro de 2011.

Cercado pela imprensa na saída da delegacia, reparou na beleza de uma repórter e comentou com seu advogado. "Não iria dar entrevista. Mas vi os olhos azuis e não resisti". Rogério teria respondido à jornalista "não sei", em relação ao fato de se sentir aliviado com o fim da caçada policial. Após passar dois dias na solitária, já tinha a resposta. "Preferia estar morto do que aqui", afirmou à defesa.

Rogério chegou a ligar para o Disque-Denúncia

Uma das estratégias do traficante para evitar a prisão era fazer ligações ao Disque-Denúncia com dados errados sobre o seu paradeiro. Com isso, contava com a ajuda de comparsas nas localidades. "Ele estava na Mangueira. Então, pedia para uma pessoa de São Gonçalo realizar um telefonema e dizer que o viu por lá. Isso era para que caso a polícia fosse checar a antena do celular, iria confirmar que a ligação estava partindo daquela localidade", contou um conhecido do traficante.

Para despistar mais ainda a polícia, algumas ligações eram feitas no mesmo horário, de duas localidades diferentes. "Uma pessoa ligava de Nova Friburgo dizendo que o viu ali e, outra, do Complexo do Salgueiro. A polícia ficava perdida", explicou. O criminoso ainda achou graça de uma operação das Forças Armadas realizada em uma favela horas após ligações consecutivas de que ele estava na localidade. "Acho que ele mesmo chegou a ligar uma única vez", disse esse conhecido. No total, o Disque-Denúncia recebeu 434 telefonemas sobre a sua localização, uma média de cinco por dia.

Uma das estratégias do traficante para evitar a prisão era fazer ligações ao Disque-Denúncia com dados errados sobre o seu paradeiroSeverino Silva / Agência O Dia

As ligações se intensificavam nos finais de semana, quando o traficante queria se deslocar para uma favela do Comando Vermelho onde teria um baile funk. Ele chegou a voltar para a Rocinha algumas vezes e não quis contar aos delegados se subornou agentes para a sua entrada na favela, que recebeu reforço no policiamento.

Mas nem tudo foi festa. Foragido, soube que o pedido de divórcio com Jéssica, mãe de sua filha, havia sido concretizado. Passou a se isolar mais. "Ele falava pessoalmente somente, com um grupo restrito. Era caçado por amigos e inimigos, não tinha confiança", disse o delegado Gabriel Ferrando, titular da delegacia de Copacabana, que o prendeu.

Para amenizar a passagem dos 45 anos aos quais ele deve ser condenado, o traficante reforçou um pedido na visita que recebeu, sexta-feira: quer fazer uma colaboração premiada. Como troca por segredos do tráfico, pretende reduzir sua estadia em um presídio federal. Procurado, o delegado Antônio Ricardo Nunes, titular da Rocinha, disse que já conversou com a defesa a respeito."Não vou entrar em detalhes. Mas temos interesse sim. Quem não quer informações do Rogério?", afirmou.

Por conta disso, Rogério ainda não prestou um depoimento formal. Mas, aos policiais, que foram ouvidos pelo DIA, passou algumas informações. Entre elas está o motivo do racha com Nem: a falta de atenção que ele deu ao genro do chefe, Adriano Cardoso da Silva, o Modelo, que tem esse apelido por ser considerado bonito por meninas da comunidade. Entre elas, Duda, filha primogênita do traficante Nem e mãe da sua neta recém-nascida, cujo pai é o Modelo.

A desavença teve início em agosto, quando Modelo levou um soco de um traficante em um beco. Inconformado, procurou por Rogério, que fez pouco caso da reclamação. Um mês depois, Nem enviou um recado: a chefia deveria ser entregue a Ramon Aleluia, o Manga. O fato de Nem nunca ter conhecido Manga pessoalmente fez Rogério perceber que se tratava de uma articulação de Modelo. Isso porque, o rapaz, de 22 anos, gerenciava um ponto de venda de drogas para Manga e era seu homem de confiança. Rogério disse que a ordem foi promovida por fofoca e se recusou a cumpri-la. A guerra, então, foi declarada.

Sucessor de Nem em vídeo no Maracanã

Segundo Nunes, Manga aparece em um vídeo feito em maio, no Maracanã, durante uma briga. Na imagem, ele está sentado entre duas mulheres que brigam por sua causa.Uma delas foi identificada como a ex-esposa de um policial militar. Na época, o vídeo viralizou e ficou conhecido como a "briga entre Kelly Key e Ludmilla", apelidos dados às mulheres pelo torcedor que filma a confusão, sem saber que um dos envolvidos é um traficante foragido. "No vídeo é nítido o desconforto de Manga, que abaixa a cabeça diversas vezes e tenta se esconder", disse o delegado. Há uma recompensa de R$ 1 mil por informações que levem a sua captura.

Manga, sucessor escolhido por Nem, foi flagrado no Maracanã
Gravação de maio mostra o bandido entre duas mulheres, que bringam por ele

Na sexta-feira, Nunes pediu a prisão de Modelo e outros dois criminosos identificados como Novinho e Mestrinho. Os três são apontados na investigação por terem atirado contra um grupo que realizava uma festa na praia de São Conrado. Três pessoas foram baleadas e sobreviveram. A intenção do trio de atiradores era colocar a culpa em Rogério 157, para ele ser preso. "A história da guerra da Rocinha é rodeada de traições", opinou o delegado, que no mês passado chegou a pedir a prisão de 30 pessoas apontadas por terem envolvimento com o tráfico. Entre os presos, está um cozinheiro, que passou 30 dias na cadeia.

O Ministério Público não aceitou as provas apresentadas e ele foi posto em liberdade. A sua defesa, que é a mesma de Rogério, conseguiu provar que ele trabalhava como chefe de cozinha de um hotel de luxo e não tinha ligação com o tráfico. Procurado, o chefe de cozinha não quis dar entrevista e pediu para não ter o seu nome divulgado. "Consegui restabelecer minha vida", disse.

Rogério está preso no mesmo Complexo Penitenciário de Danúbia Rangel, mulher de Nem. Danúbia foi condenada a 28 anos de prisão e quer diminuir o tempo de pena trabalhando. Por isso, pediu na semana passada transferência para o presídio Talavera Bruce, onde há mais possibilidades de vagas de emprego. A cada três dias trabalhados será um a menos na prisão. Ela ainda não recebeu a visita da filha, já que Nem ainda não autorizou a criança a entrar no presídio.

Foi Danúbia quem teria sido o elo de ligação entre Nem e Rogério. Os traficantes se conheceram em 2005, quando 157, mineiro, foi morar na Nova Holanda, no Complexo da Maré. Danúbia foi moradora do conjunto de favelas e chamou amigos para um baile na Rocinha. Rogério passou a coordenar o tráfico a pedido de Nem, desde sua prisão em 2011. Isso porque Rogério, quando era seu segurança, mostrou lealdade ao invadir o Hotel Intercontinental, em São Conrado, para dar tempo de fuga ao chefe, que voltava de uma festa no Vidigal. Na ocasião, 157 foi preso ao lado de outros traficantes. Na Rocinha, o grupo de Rogério ainda domina o tráfico de drogas, tendo a frente José Carlos de Souza Silva, o Gênio.

A secretaria de Segurança irá fazer nessa semana o pedido de transferência de Rogério para um presídio federal. Ele permanece isolado em uma cela, onde não recebeu o pedido de visita de nenhum familiar.

PM muda comandos de batalhões após prisão de 157

A Polícia Militar trocou o comando do Batalhão de Operações Especiais Policiais (Bope) após a prisão de Rogério 157. Oficialmente, a corporação diz que não há relação. Apesar disso, O DIA apurou que as mudanças no Bope e em outras unidades, como o comando do batalhão de Olaria, responsável pelo policiamento no Complexo do Alemão, ocorreram após informações de que Rogério se deslocava facilmente por oito favelas.

Essas comunidades tinham operações constantes de homens do Bope, que mesmo assim não impediram o deslocamento do traficante. O comandante Carlos Eduardo Sarmento foi substituído pelo coronel Benevenuto Santos. Não há indícios ou investigação sobre possível facilitação dos policiais ao criminoso. A mudança teria ocorrido por uma necessidade de maior operacionalidade.

Em setembro, O DIA noticiou que a corregedoria abriu um inquérito para apurar se houve ajuda de policiais na locomoção de traficantes para a guerra da Rocinha. O IPM ainda não foi concluído.

O clima na favela da Rocinha é de tensão, já que traficantes ligados a Nem estariam reunidos no Morro do São Carlos para tentar nova invasão. Entre eles, estariam Modelo e Manga.