Por gabriela.mattos
Rio - Faz tempo que passageiros sofrem com o descaso das empresas de ônibus, embora os consórcios que atuam na capital venham tentando atribuir uma suposta queda na qualidade a recentes reduções da tarifa. Desde 2010, quando houve licitação no município, 115 ações civis públicas foram ajuizadas pelo Ministério Público contra viações por evidências das mais variadas irregularidades nos serviços. E não é coincidência o fato de a 8ª Vara da Fazenda Pública ter multado, dia 5, o ex-prefeito Eduardo Paes e seu secretário Transportes, Rafael Picciani, por causa da lentidão na climatização da frota.
É uma média de 14 inquéritos por ano que precisam ocupar o Judiciário por falta de solução dos problemas. Entre os processos, 77 (66,95%) já tiveram decisões, definitivas ou provisórias, favoráveis à população. Em todos os anos anteriores foram movidos mais processos do que em 2017, que teve só cinco, prova de que os transtornos não são novos.
José Luiz Feliciano e Dirly da Silva%2C moradores da Zona Oeste%2C reclamam da linha 850%2C que faz o itinerário Tiradentes - MendanhaAlexandre Brum / Agência O Dia

O levantamento foi entregue pelo MP à CPI dos Ônibus da Câmara dos Vereadores do Rio e tabulado pelo DIA. As ações, em maioria, reclamam de linhas da capital (apenas 17 citam intermunicipais). São contestadas questões como baixa frota, descumprimento de horários e itinerários, falta de manutenção, linhas que rodam sem permissão, ausência de operação noturna e tarifa abusiva. Na capital, o Consórcio Santa Cruz, da Zona Oeste, foi o mais contestado, com 41 processos. E punido em maior quantidade de ações: 34 (82,9% das que recebeu).

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Haja estresse. O casal Dirly da Silva, 57, e José Luiz Feliciano, 60, que o diga. Como se não bastasse o atraso do 850 (Mendanha-Campo Grande), que os obriga a sair cedo, sofrem com a falta de conservação. “Tento me esquivar das goteiras. Em dias de chuva, o sacrifício é intenso”, contou Dirly.
Carro da linha 398 usa fita adesiva para sustentar painel de comandosAlexandre Brum / Agência O Dia

No documento que requereu a multa a Paes, o MP destacou que a prefeitura não se esforçou para alcançar a obrigação de cumprir a meta de instalar ar-condicionado em 100% da frota. “O Executivo municipal tinha condições plenas para adotar as medidas administrativas e até mesmo judiciais”, diz o texto. Paes afirmou que vai recorrer. “Fizemos todos os esforços e saímos de zero para 70%, um grande avanço”, pondera.

Por vezes, nem a Justiça consegue salvar. Decisão provisória sobre a linha 366 (Campo Grande-Tiradentes) diz que o Consórcio Santa Cruz deveria manter a frota em condições adequadas e com intervalo máximo de 15 minutos. Não é o que a recepcionista Adriana Magda Pereira, 37, tem presenciado. “Quando chega, vem superlotado. Depois que diminuíram o valor da tarifa, reduziu também a frota”, afirmou.

Vereador do Psol defende revisão da concessão

Para o vereador Tarcísio Motta (Psol), integrante da CPI dos Ônibus, "essa quantidade enorme de processos revela que a capacidade de fiscalização da prefeitura é insuficiente". Ele diz ser imprescindível equipar a Secretaria Municipal de Transportes (SMTR) e modernizar a legislação para garantir fiscalização e punições. Sugere também a revisão da concessão e a criação de empresa pública capaz de gerir todo o sistema.

Ônibus da linha 850 circula com um dos faróis e lanternas quebradosAlexandre Brum / Agência O Dia

"Essas ações mostram que a péssima qualidade do serviço de ônibus não é uma novidade, mas uma característica que permaneceu no sistema mesmo depois da licitação realizada em 2010", afirma.

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O engenheiro de Transportes Alexandre Rojas, da Uerj, sugere reformulação jurídica para combater a impunidade: "Vários órgãos se atribuem a mesma possibilidade de multar. Defesa do Consumidor, SMTR, MP etc. Esta múltipla atribuição jurídica possibilita que as empresas contestem e ganhem (ou protelem) na Justiça", considera.
Segundo o promotor Sidney Rosa, coordenador do Centro de Apoio das Promotorias do Consumidor, as ações coletivas são propostas a partir de reclamações dos usuários através da Ouvidoria do MP-RJ (tel. 127). No site Consumidor Vencedor, qualquer pessoa pode verificar processos vencidos pelo órgão e denunciar descumprimento de decisões.
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Para empresas, número de ações na Justiça é baixo
?O Rio Ônibus e a Fetranspor assinalam que, a partir do contrato de concessão assinado no Município do Rio em 2010, foram feitos grandes investimentos na melhoria do serviço. Como exemplo, citam que os corredores BRS e BRT reduziram o tempo de viagem e, no caso dos BRTs, incluíram na frota veículos mais modernos, de maior capacidade e 100% climatizados.
Ônibus 355 trafegando com uma das lanternas traseira danificadaAlexandre Brum / Agência O Dia

Os operadores julgam que a quantidade de processos movidos pelo MP-RJ é de "baixa relevância se comparada ao tamanho da operação". "A média é inferior a um processo por empresa da Região Metropolitana", justificam. Culpam ainda a crise pelo envelhecimento da frota e frisam que a tarifa municipal está defasada. "As empresas perderam capacidade de investimento em manutenção e renovação da frota. Além disso, principalmente nas zonas Norte e Oeste, os ônibus enfrentam a concorrência desleal de kombis e vans".

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A SMTR diz que suas fiscalizações são direcionadas com o objetivo de fazer cumprir o Código Disciplinar do Serviço Público de Transporte de Passageiros por ônibus e coibir irregularidades. Segundo a pasta, os consórcios estão sujeitos a normas previstas em lei. O órgão acrescenta que as operações são planejadas a partir de denúncias recebidas na Ouvidoria e no canal 1746. O Detro, responsável pelas linhas intermunicipais, não respondeu.
Colaborou o estagiário Matheus Ambrósio