Linhas de ônibus da Zona Oeste são principais alvos das ações do MP
Número de processos, três vezes maior do que de rotas da Zona Sul, confirma percepção de passageiros
Por thiago.antunes
Rio - A diferença de tratamento das empresas de ônibus para polos opostos do Rio não é só percepção dos usuários, mas indicada em números. Desde 2010, ano da licitação do transporte na capital, o Ministério Público (MP) moveu quase três vezes mais ações contra o Consórcio Santa Cruz (41), que atua na maior parte da Zona Oeste e concentra o maior volume de linhas, do que contra o Consórcio Intersul (14), que opera na Grande Tijuca e Zona Sul, áreas consideradas mais nobres. As companhias justificam que a área é mais afetada pela concorrência das vans irregulares e que sofre mais severamente os efeitos da crise no setor.
Os processos são ajuizados a partir de denúncias dos passageiros ao MP. Enquanto o Consórcio Santa Cruz lidera o ranking, o Consórcio Transcarioca, que abrange a Barra da Tijuca, Jacarepaguá, Recreio, Madureira e Cascadura, sofreu 10 ações, a menor quantidade. O segundo consórcio mais contestado (26 vezes) foi o Internorte, responsável por quase toda a Zona Norte. O Intersul ficou em terceira posição.
"Não há preocupação das empresas com o direito das pessoas de ter acesso a um serviço público decente. Não é à toa que o pior serviço fica nas regiões mais pobres da cidade, onde há menos fiscalização e descaso do poder público. Isso ocorre porque quem manda no sistema é a máfia de sempre", diz o vereador Tarcísio Motta (Psol), da CPI dos Ônibus. "Os serviços das concessionárias sempre tiveram qualidades distintas entre Zona Sul e Zona Oeste", concorda o engenheiro de Transportes Alexandre Rojas, da Uerj.
Como O DIA publicou segunda-feira, 115 processos foram ajuizados no período pelas Promotorias do Consumidor contra as empresas (a maioria da capital) por irregularidades nas linhas.
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A agente administrativa Ana Cláudia Costa, 40, se acostumou ao perrengue para ir e vir da Zona Oeste. Ela sai do trabalho, no Centro, com a certeza de que, além da demora, terá que procurar bancos limpos. Quando consegue viajar sentada na linha 398 (Tiradentes-Campo Grande), divide o espaço com baratas. "Elas percorrem os bancos, sobem na janelas, sem falar no cheiro de urina".
Na Zona Norte, a estudante Veridiana David, 23, usa a 355 (Madureira-Praça Tiradentes) para ir à faculdade, no Centro. "Andar nesse ônibus é contar com a sorte. Recentemente, quebrou na Penha. Desde Madureira, já tinha problemas, mas insistiram em seguir".
A sessão de ontem da CPI dos Ônibus não ocorreu porque só Tarcísio compareceu. Alexandre Isquierdo (DEM), Rogério Rocal (PTB), Eliseu Kessler (PSD), Dr. Jairinho (PMDB) e Felipe Michel (PSDB) não apareceram.
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Empresas alegam crise e atuação de vans
O Rio Ônibus esclareceu que a situação do Consórcio Santa Cruz reflete a crise do setor. Segundo o sindicato, sete empresas (cinco com atuação na Zona Oeste) fecharam devido a dificuldades financeiras desde 2014. A entidade ressalta que, diante desse cenário, o número de passageiros vem caindo. Também cita como problema a concorrência com vans e kombis nas áreas dos consórcios Santa Cruz e Internorte e que os dois são os que transportam maior percentual de gratuidades.
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O sindicato lembra que alertou ao longo de 2017 para o impacto do congelamento da tarifa, das reduções determinadas pela Justiça e do aumento do diesel, "que reduziram a capacidade de investimento em manutenção e renovação da frota".
A Secretaria Municipal de Transportes informou que seus fiscais atuam em toda a cidade, sem diferenciação. "Foram aplicadas 1.246 multas ao consórcio Intersul, 1.681 ao Internorte, 1.617 ao Transcarioca, e 1.872 ao Santa Cruz de janeiro a outubro", afirmou.
Decisões sem fiscalização
Muitas vezes linhas que tiveram decisões judiciais favoráveis à população continuam problemáticas porque nenhum órgão se compromete em fiscalizar se as ordens estão sendo cumpridas. A linha 398, citada na reportagem, teria que circular com boa conservação e tamanho adequado da frota, de acordo com decisão do Tribunal de Justiça (TJ), o contrário do que a passageira Ana Cláudia Costa afirmou.
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O MP diz que só consegue acompanhar os casos em que os passageiros denunciam o descumprimento pelo site Consumidor Vencedor. "Não temos corpo de servidores em número capaz de dar conta da infinidade de produtos e serviços que são colocados à disposição do consumidor. Esse foi o principal motivo da criação do site", explica.
Das 115 ações ajuizadas, 77 tiveram decisões, definitivas ou provisórias, favoráveis ao MP, conforme cálculo divulgado pelo DIA. O MP não sabe informar quantas decisões são cumpridas.
Já a SMTR defende que o Poder Judiciário é quem deve avaliar e aplicar as sanções cabíveis aos consórcios, em caso de descumprimento das sentenças. Procurado, o TJ não comentou o assunto.