Marta Almeida, tia de Thiago, abraça a mãe do jovem, Rosângela Maria de Sousa  - Estefan Radovicz / Agência O Dia
Marta Almeida, tia de Thiago, abraça a mãe do jovem, Rosângela Maria de Sousa Estefan Radovicz / Agência O Dia
Por RAFAEL NASCIMENTO

Rio - “Fala com Deus que eu não quero morrer, mamãe. Não deixa eu morrer, mamãe. Por favor, me salve”. Essas foram as últimas frases ditas por Thiago de Souza Mendonça, de 14 anos, quando seguia para o Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, após ser baleado por tiro de fuzil na Cidade de Deus, na Zona Oeste, quinta-feira. Quatro dias depois do crime, a Delegacia de Homicídios (DH) da Capital ainda não fez perícia no local, segundo a família.

A súplica do menino, que choca e arrepia, foi lembrada na manhã desta segunda-feira pela mãe do adolescente, a auxiliar de serviços gerais desempregada Rosângela Maria Almeida Mendonça, de 36. Ela estava no Instituto-Médico Legal (IML) de São Cristóvão para reconhecer o corpo do filho, que está no local desde sábado. O enterro deverá ocorrer na manhã desta terça-feira, no Cemitério do Pechincha, na Zona Oeste, porque a família ainda junta dinheiro para custear as despesas do funeral. Até o momento, já foi arrecadado mais de R$ 1,9 mil.

De acordo com mulher, o filho — que era o terceiro de cinco irmãos — estava brincando em uma localidade conhecida como Outeiro, por volta da meia-noite de quinta-feira, quando foi atingido por um disparo feito por policiais militares.

“Teve operação naquele dia, e os meus filhos ficaram em casa (na localidade conhecida como Apartamentos), porque eu havia saído para comprar alguns produtos, na Taquara, para colocar no trailer que eu abriria na sexta-feira”, lembra a mulher. “Depois disso, (a área) ficou aparentemente tranquila”, completa.

Após voltar das compras, ela seguiu para o local onde iria começar a trabalhar. Lá, por volta das 22h, Thiago chegou acompanhado dos irmãos.

Rosângela Maria de Sousa, mãe do jovem - Estefan Radovicz / Agência O

“Ele me pediu pra brincar numa pracinha que tem ao lado do trailer e eu falei que podia. Por volta da meia-noite começou uma troca de tiros, e ele veio correndo e gritando: “Mamãe, eu fui baleado,, me salva, ", recordou aos prantos dona Rosângela.

Ela ainda lembra que levantou a camisa do filho na parte da frente e não viu nada. Entretanto, quando ela virou o filho, viu que ele havia sido atingido nas costas.

“Durante 47 minutos eu implorei por ajuda das pessoas para elas ligarem pro resgate e socorrerem meu filho. Eu o vi agonizando durante todo esse tempo. Ele sangrava muito”, explica.

Segundo a mulher, houve demora no socorro e o garoto foi levado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro por um vizinho. No entanto, como a situação do adolescente Thiago era muito grave, ele precisou ser encaminhado por uma ambulância para o Lourenço Jorge.

“Durante todo o trajeto ele agradeceu aos enfermeiros e médicos por estarem salvando a vida dele. Ainda no percurso, ele só me fez um último pedido: que era pra eu pedir a Deus que ele não morresse, pois se isso acontecesse ele não seria mais desobediente”, diz. “Eu falei com ele: “Filho, toda criança da sua idade é bagunceira, não se preocupe, vai dar tudo certo”, completa.

Thiago foi baleado na quinta-feira e morreu neste sábado - Reprodução

Ao chegar na unidade médica, a criança foi direto para a mesa de cirurgia e durante toda a madrugada de sexta e manhã do mesmo dia, Thiago passou por três cirurgias.

Nas redes sociais, familiares pediram ajuda e dezenas de pessoas doaram sangue para a criança. Segundo médicos do local, o tiro de fuzil que entrou nas costas da criança atingiu órgãos vitais, como fígado, baço e rins. 

Pouco menos de 10 horas após ser baleado e passar pelas cirurgias, o adolescente não resistiu aos ferimentos e morreu. Desde então a família luta para conseguir dinheiro para enterrar a criança.

Sonhava em ser jogador de futebol

Além de ter um quarto só para si, o sonho de Thiago era de ser jogador de futebol. “Ele me disse uma vez: 'Mamãe, você ainda vai me ver na televisão como jogador de futebol. Agora, eu vou ver o meu filho na televisão nessa situação”, conta a mãe. 

"É muito difícil sustentar cinco filhos sozinha. Às vezes eu comprava cinco pães, e a gente tinha que dividir pra tomar café de manhã e tomar café à tarde. Ele sempre queria me ajudar — por ele ter apenas 14 anos — eu nunca deixei. Eu falava: 'Meu filho, você tem que estudar, só estudar. Não tem que trabalhar. Eu vou trabalhar para sustentar vocês”, diz Rosângela. 

“O meu filho estava na rua, naquele horário, porque estava perto de mim. Não é porque moramos na comunidade que somos bandidos. Eu sempre lutei para dar o de melhor para os meus filhos", completa. 

Estava lendo um livro quando foi baleado

De acordo com parentes e amigos, no momento em que Thiago foi atingido, ele estava lendo um livro da “Turma da Mônica”.

“O meu sobrinho estava lendo um livro quando ele foi atingido. O Thiago era muito estudioso. Ele estava no nono ano (Escola Municipal José Clemente Pereira) e só gostava de ficar em casa estudando e brincando no computador”, lembra a dona de casa Marta Almeida de Souza, 38, tia do garoto.

Segundo a mãe do menino o seu sonho era de ter o próprio quarto isso deveria ser realizado nos próximos dias. “Como eu estou desse empregada, eu iria trabalhar no trailer. Naquele mesmo dia, a gente iria vender salgados, pois iríamos construir um barraco ali perto aonde eu trabalho”, diz a mãe.

“Eu sozinha sempre sustentei os meus cinco filhos sozinha”, diz Rosângela. “Tiraram um pedaço de mim. Eles (os policiais) mataram o meu filho. Eu nunca mais vou ver ele."

A tia, Marta Almeida, e a mãe do jovem, Rosângela Maria de Sousa - Estefan Radovicz / Agência O Dia

Segundo a mulher duas imagens ficaram marcadas na sua memória. “Ele pedindo pra ir brincar e no momento que ele foi baleado. Essas são duas cenas que jamais saíram da minha cabeça”, finaliza.

Por não terem condições, amigos e familiares fizeram uma vaquinha para enterrar a criança. Nesta manhã a mãe, a tia e uma agente funerária estiveram no IML. 

O DIA entrou em contato com a Polícia Militar e com a Polícia Civil. No entanto, até a publicação desta reportagem, não havia recebido nenhuma respostas para os questionamentos feitos.

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