Por karilayn.areias

Rio - Sexta-feira, meio-dia. Clemildo Ribeiro da Silva, 57 anos, pedala sobre uma ponte às margens da BR-393 para carregar o filho na garupa de uma bicicleta enferrujada. O menino Julio, de 8 anos, voltava da escola para casa em frente a um cenário simbólico para Três Rios. Apesar do horário, a rua estava vazia. Exibia, ao fundo, uma paisagem conhecida por todos que moram ali. Ao lado de uma malha férrea que transporta minério e da grama alta, há uma área de 250 mil metros quadrados conhecida popularmente como complexo industrial Santa Matilde.

A mudança de cenário é a esperança de Clemildo Ribeiro da Silva que acredita em dias de crescimento%2C o que o tranquiliza com relação à criação deo Júlio%2C um de seus Daniel Castelo Branco

Um local que guarda o nome de parte de uma história dramática da cidade, mas que parece já ter cicatrizado na memória de Clemildo. “A vida aqui é boa. É um lugar calmo pra se viver. Só quero ver o meu mais velho na faculdade”, sorri, ao falar do outro filho, de 15 anos.

Naquele terreno, Três Rios viu prosperar a Companhia Industrial Santa Matilde, que se instalou na cidade no fim da década de 50 para produzir carros, vagões e tratores. Na época, a empresa tinha histórico de bons salários, alimentando o sonho da prosperidade. Clemildo tinha 11 anos quando deixou a vida do campo com a família em Areal, percorrendo 30 quilômetros em busca de uma vida melhor. O pai bateu na porta da Santa Matilde, onde foi vigia.

A economia local era dependente de uma empresa que chegou a empregar 5 mil funcionários, o equivalente a 20% da população na década de 80. Aos 27 anos, Clemildo começou a trabalhar lá como torneiro mecânico. Mas por pouco tempo. A empresa faliu em 1988, deixando um rastro devastador de desemprego.

Uma história que só começou a ser revertida 20 anos depois, quando o terreno foi arrematado em um leilão judicial. Já aposentado, Clemildo viu o local virar polo industrial, com 50 empreendimentos. Foi o começo da retomada de crescimento no município, que ajudou a gerar 15 mil empregos diretos e indiretos. Com a chegada de 170 indústrias de médio e grande porte nos últimos sete anos, o orçamento do município quintuplicou, chegando a R$ 340 milhões.

Uma mudança de cenário captada por comerciantes, que colocaram a cidade no Mapa Estratégico do Comércio, idealizado pelo Sistema Fecomércio RJ para expandir negócios, apesar da crise. E que devolve a esperança de dias melhores para os filhos de Clemildo, que miram à distância a expansão das indústrias pela janela de casa.

Universidade e zonas empresariais

Município com 80 mil habitantes, segundo dados do IBGE de 2015, Três Rios recebeu a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) há três anos, atraindo alunos de outras cidades para os cursos de Direito. Economia, Administração e Geografia. É reflexo do crescimento em uma cidade com quatro zonas empresariais.

O Centro empresarial virou área de utilidade pública ao ser desapropriado pelo município há oito anos, atraindo empresas com valor de venda abaixo do mercado. A cidade se tornou um pólo do plástico, com a chegada de oito grandes empresas do país. 

Em expansão, óticas se aperfeiçoam e se modernizam para ganhar clientes

Auxiliar de montagemde óculos em uma ótica há 39 anos, Jorge Neves da Silva é um exemplo de que é possível se adaptar aos novos tempos. Quando começou a exercer a função, recortava o molde das lentes em um papelão para colocá-las na haste com um fio de nylon.

Jorge montou óculos com molde de papel e hoje usa técnicas modernasDaniel Castelo Branco

Hoje, exerce a função com o auxílio de um computador e de uma máquina moderna. A capacidade de adaptação ilustra bem a forma como ele enfrentou os tempos de crise com o fechamento da Santa Matilde, no fim da década de 80. “Na época, Três Rios virou cidade-dormitório, porque as pessoas procuravam emprego em outras cidades. Quem segurou a onda foi o comércio”.

A mudança dos tempos também traz novos desafios em um setor inflado. Há cerca de 15 óticas apenas no centro comercial de Três Rios. “Antigamente, havia apenas duas óticas na cidade. Agora, temos até consultoria para melhorar o atendimento. Precisamos acompanhar as mudanças para estarmos um passo à frente”, explica o gerente de vendas Luciano Uilian dos Santos.

Para o comércio, o crescimento da indústria representa uma chance de impulsionar vendas. Gerente de uma loja de sapatos, Silmar dos Reis Gomes se orgulha da expansão das vendas quando a equipe brasileira de ginástica olímpica esteve em treinamento na região, no ano passado. E de quando vendeu cinco pares de calçados para um italiano de passagem pela cidade, mesmo sem entender o idioma do cliente. “Não somos treinados para entender o que ele falava. Mas somos treinados para fechar a venda”, conta, com a sensação do dever cumprido. 

5 minutos com Orlando Diniz, presidente da Fecomércio-RJ

Orlando Diniz, presidente do Sistema Fecomércio RJ, acredita que Três Rios, município que sediou a terceira etapa regional do Mapa Estratégico do Comércio, ocorrido entre quinta e sexta-feira, é exemplo de sucesso que pode ser seguido por outros municípios. 

Orlando Diniz%2C presidente da FecomércioDaniel Castelo Branco

1. Qual é a importância passagem do Mapa Estratégico do Comércio pelas cidades do Rio?

— É um instrumento de mobilização dos empresários, poder público e sociedade, para que possamos identificar vocações, identificar oportunidades, combater entraves e elaborar uma série de propostas públicas para o nosso setor e para o conjunto da sociedade, discutindo temas como educação profissional, cidades inteligentes, meio ambiente e segurança pública. É a participação do comércio para buscar desenvolvimento socioeconômico.

2. O que foi possível observar em Três Rios?

— Nos últimos anos, a cidade estava sem perspectiva. Não havia esperança. Três Rios é exemplo de sucesso no estado e no país. Prova que é possível ter qualidade de vida sem os royalties do petróleo e com o incentivo fiscal bem aproveitado. Mostra que é possível mudar cenários desfavoráveis com trabalho e parcerias. Três Rios desenvolve oportunidades em todos os setores. A gente espera levar exemplos de para outros municípios. 

3. Quais os exemplos podem ser usados das outras etapas regionais?

— Em Miguel Pereira (sede da segunda etapa do Mapa, há duas semanas), identificamos enorme potencial para o turismo que pode ser explorado. Lá, existem 130 fazendas históricas. É o maior conjunto desse tipo do mundo. Precisamos identificar oportunidades e vocações. O desafio é superar a crise aumentando a produção e preparando a trajetória para o futuro do estado, que tem potencial para o turismo, gerando empregos e melhorando a qualidade de vida.

4. Em Angra, que sediou a primeira etapa do Mapa, os empresários já deram o primeiro passo, desenvolvendo um calendário.

— Um dos maiores objetivos do Mapa é juntar a sociedade e o poder público. E uma das características do comércio é buscar soluções práticas. Essa reunião pós-Mapa é sinal de que já há algo concreto. É a nossa primeira vitória.


Você pode gostar