Por lais.gomes

Parece entrevista de domingo, mas não é. Hoje vai ao ar o capítulo final de 'A Força do Querer' e a coluna traz uma edição especial. Nela está Glória Perez, a grande responsável por trazer de volta o desejo do brasileiro de assistir novelas. A trama tem a maior média do horário em São Paulo desde 'Avenida Brasil' (2012). No Rio, a média é a maior desde 'Amor à Vida' (2013). Fora todos os números e recordes, Bibi é o nome mais ouvido pelos cariocas e 'passa a visão' virou bordão não só de Sabiá, mas da maioria dos brasileiros. Abordando temas polêmicos, como transgêneros, tráfico de drogas e sereísmo, a autora conseguiu prender o telespectador do início ao fim. O segredo do sucesso? "Falo sempre de diversidade e tolerância".

Com 'A Força do Querer', você deu um tapa na cara da sociedade depois de tantas críticas ( falavam que você só fazia novela estrangeira, que suas tramas eram irreais...). Fale agora, Gloria, tudo o que está entalado na sua garganta depois desse sucesso arrebatador:
Antes de mais nada, essa não é e nunca foi a percepção do grande público. É mantra de um núcleo bem restrito, que já tachou de irreal a internet, o trafico humano, clonagem, imigração ilegal, mundo globalizado, e que acha difícil conviver com a diferença. Se você quiser encontrar um ponto comum a todos os meus trabalhos seria esse: o mundo é bem maior do que o nosso umbigo. Existe vida para além do nosso umbigo. Falo sempre de diversidade e tolerância. Não ao etnocentrismo. Essa novela não foge disso.

Qual foi o núcleo mais difícil de escrever?
Eu diria o mais cuidadoso: a trama de Ivana (Carol Duarte). Foi uma construção cuidadosa, para evitar rejeição e criar empatia com o público.

O que você mudaria em 'A Força do Querer' se tivesse a oportunidade?
Penso que contei a historia que tinha para contar dentro dos limites de tempo e de capítulos. Mudaria nada não.

Em que momento você percebeu que 'A Força do Querer' tinha emplacado?
Foi num crescendo. Acho que foi bem aceita desde o inicio, mas acredito que na prisão do Rubinho, onde aconteceu a primeira virada da história, a aceitação do público ficou muito clara para nós.

Bibi (Juliana Paes) tinha um sério risco de virar heroína e isso poderia ser um tiro no pé. O que você fez para que a Bibi não fosse tão amada pelo público?
A raiva que parte do público sente pela Bibi não vem de nenhuma construção minha. E penso que é um fenômeno muito fácil de se compreender. A identificação do público com Bibi se faz através de um ponto que incomoda muito a todo mundo: as escolhas erradas, seja no amor, seja na vida… Então as pessoas transferem para Bibi, como numa catarse, aquela raiva de si mesmas pela oportunidade perdida, pela escolha equivocada. Aquele 'como é que eu pude?' é transferido para Bibi. O público criou com ela uma relação de amor e ódio e isso é muito interessante. Juliana foi magistral na interpretação.

Você tem um olho de boto como amuleto. Tem alguma outra superstição?
Não tenho superstição nenhuma. Sou muito cética, até.Tenho um olho de boto que trouxe de uma viagem ao Acre porque é uma referencia da minha infância: esfregado no cimento ele esquenta, e era uma brincadeira muito comum na época.

Jonathan Azevedo falou que você chegou a escrever a cena da morte de Sabiá, mas mandou voltar a cena e deixou ele vivo. O Sabiá é um dos maiores vilões da história de Gloria Perez? Fale dele.
Faltando um dia de entregar o bloco de capítulos, vi a primeira cena do Jonathan. Sabiá foi um personagem que entrou para durar dois capítulos e naquele bloco estava escrita a morte dele. Quando vi o Jonathan mudou tudo: reescrevi os dois capítulos e Sabiá não morreu mais.

Se o público quisesse que Bibi terminasse bem, feliz, rica e longe do crime. Você acataria o pedido do público?
Não funciona assim. O público pensa sempre no que já viu. Prefiro surpreender, contribuindo para aumentar esse repertório.

Essa foi a sua novela mais 'masculina'? Pergunto porque a trama da criminalidade supera o 'quem vai ficar com quem'. Estou errado?
Nunca apostei muito nesse 'quem vai ficar com quem'. Minhas novelas nunca tiveram, como base, pares românticos, mesmo quando conto grandes histórias de amor. Os romances estão sempre cercado de temas muito fortes, que dividem o protagonismo. Nesse sentido, essa não é diferente.

De quem foi a ideia da expressão 'passou a visão', usada pelo Sabiá?
Essa eu sabia. Peguei na pesquisa de 'Salve Jorge', acompanhando as páginas de mulheres de traficantes e nos vídeos onde eles se comunicam entre si. Mas o Jonathan trouxe muitas expressões. E ótimas! cada uma melhor que a outra!

Por que você quis engravidar a Ivana, mesmo ela cheia de hormônios masculinos? Qual era a sua intenção?
O fato de ela estar tomando hormônios não impede a possibilidade da gravidez. Para tanto, basta que ainda tenha útero e trompas. Muitos trans homens têm filhos. Alguns foram surpreendidos por uma gravidez, como no caso da Ivana/Ivan, ou engravidam de maneira programada mesmo. Descoberta a gravidez, eles param com os hormônios, até o parto. Mas continuam com aparência masculina.

O sereísmo se perdeu ou foi impressão minha?
Não! Ritinha é uma sereia. A novela funciona como uma fábula, onde a sereia toma a forma humana e atrai os incautos para o desastre.

O vício (desta vez em jogo) foi mais uma vez brilhantemente abordado. Você é a favor da liberação dos jogos de azar no Brasil? Há um projeto pronto para ser votado pelo Senado.
Não conheço o projeto e não tenho informação suficiente para formar opinião a respeito.

A violência carioca parecia ter cansado nas novelas. Ela foi mostrada em 'Duas caras' e 'Salve Jorge'. Mas aí vem você com essa novela e muda tudo de novo. Quem mudou? Você ou o Brasil?
Mudou o ponto de vista. Na novela, o tráfico é mostrado do ponto de vista das mulheres dos traficantes.

Você pensa em abordar a corrupção na política brasileira em alguma novela sua? Pergunto isso pois é um tema tão atual quanto o crime nos morros.
Por enquanto nao estou pensando na próxima novela.

Diga a opinião da moradora do Rio Gloria Perez sobre a violência na nossa cidade. Qual é a solução para o Rio?
A curto prazo reformar a policia, equipar, mudar a legislação e ocupar as comunidades de maneira concreta, urbanizando, levando serviços básicos e resgatando a cidadania de seus moradores. Investir pesado em educação e saúde.

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