Rio - A história da vida de João Carlos Martins é de cinema, tanto que, pelas mãos do diretor Mauro Lima, estreia hoje nos cinemas, em rede nacional, ‘João, o Maestro’, a cinebiografia do pianista que conta sua trajetória profissional e de superação.
“Há uns anos, saiu uma matéria no ‘New York Times’ dizendo que minha vida tinha que virar filme lá nos Estados Unidos. Daí, o Bruno Barreto, por quem tenho grande admiração, disse que ninguém contaria essa história melhor do que um brasileiro”, lembra.
Foram sete semanas de filmagens, e o resultado é uma obra cheia de emoção e sutilezas. “Tive uma conversa com o Mauro, que também é o roteirista, e pedi: ‘A única coisa fundamental para mim é que este fi lme emocione, porque essa é minha missão desde os 8 anos: causar emoção no público’. É um filme feito com muito amor”, garante.
Os atores Davi Campolongo, que vive João na infância, Rodrigo Pandolfo, que inter-preta o músico dos 15 aos 30 anos, e Alexandre Nero, que faz o maestro dos 35 até os dias de hoje, se alternam no papel-título. O elenco tem ainda Caco Ciocler, Alinne Moraes e Fernanda Nobre.
“Receber uma homenagem como essa, ainda vivo, é uma das maiores emoções da vida. Confiei no Mauro para contar a minha história. Só compareci ao set para acompanhar as cenas que envolviam a música”, diz João. “Você olha para os três atores e jura que são eles tocando (um dublê de mãos ficou responsável pelos detalhes, mas os atores foram acompanhados por uma professora para manter a sincronicidade). A única parte que me envolvi no filme foi a de sincronização”, completa.
“Tudo que é tocado são gravações originais minhas. Com exceção de duas passagens, que pedi para que fossem do Artur Moreira Lima, pianista que já me levou às lágrimas”.
OBSTÁCULOS E REINVENÇÃO
Considerado um dos maiores pianistas do mundo, João foi um dos poucos a gravar a obra completa de Bach (Johann Sebastian Bach, compositor alemão tido como o maior nome da música barroca). “Comecei a estudar piano aos 8 anos.
E aos 13 já tocava profissionalmente. Aos 20, estreava no Carnegie Hall, em Nova York”, diz. “Até pouco mais de 20 anos, toquei com as principais orquestras do mundo. Até o primeiro acidente e tudo que veio depois”, conta ele, referindo-se à lesão que sofreu em 1965, em Nova York, durante um jogo de futebol, que comprometeu a mão direita.
Por conta de diversos problemas de saúde em decorrência deste acidente, da lesão por esforço repetitivo (LER), de um assalto que sofreu durante a gravação de um disco na Bulgária em 1995, que resultou em lesão cerebral e afetou a mão esquerda, e, posteriormente, a descoberta de um tumor na mesma mão, o artista foi obrigado a deixar de lado a carreira como pianista em 2002. E foi aí que surgiu o maestro.
“Durante uma semana, meu mundo caiu. Procurei médicos em vários países. Fui a igrejas, pai de santo. Mas sempre tentei tratar a adversidade com algum humor, para a trajetória ser lembrada com esperança”, recorda. “Quando os médicos disseram que eu não poderia mais tocar profissionalmente, parece que o mundo tinha acabado. Foi quando o maestro Eleazar de Carvalho me disse: ‘Jão, tive um sonho, vai estudar regência’”, conta. “No dia seguinte, já estava estudando.
Dois meses depois, juntei 18 músicos aqui em casa e disse para montarmos uma orquestra. E fui construindo”, revela o criador e regente há 12 anos da Orquestra Bachianas Filarmônica, que tem apoio do Sesi.
João também fala com empolgação da fundação homônima, que tem como objetivo a capacitação e treinamento de músicos, popularização da música clássica e inclusão. “Música se faz com ideal”, diz.
Outro projeto vai ocupar a vida do maestro nos próximos anos. “A música é a prova que Deus existe”, dispara. “Estou juntando bandas de cidades com até 60 mil habitantes, para fechar o país, em forma de coração, através da música, que era o sonho do Villa-Lobos. Quem sou eu perto dele? Mas na época dele não tinha nem internet, nem TV. Já comecei nas primeiras 40 cidades e, daqui a cinco anos, se Deus quiser, esse vai ser meu legado: deixar mil orquestras no Brasil.”
BALÉ DE MÃOS
Alexandre Nero, que faz o artista na fase adulta, diz não ter medo de comparações. “Por ele estar vivo, a comparação é inevitável, mas desde o início o Mauro pediu que não tentássemos imitá-lo. Pegamos algumas características dele muito mais por homenagem. O que a gente buscou foi tocar as pessoas de alguma forma ao contar essa história. Essa foi a maior responsabilidade, já que o João é uma pessoa muito querida”, reflete.
E o maestro parece aprovar a escolha: “Para voltar a ser João Carlos, tenho que imitar o Nero agora”, diverte-se. Em performance que impressiona pelo realismo, o ator salienta que as aulas de piano, da fase de preparação, tiveram objetivos ‘coreográfi cos’.
“É impossível aprender a tocar piano em três, quatro meses, ainda mais como o João. Tinha que saber me posicionar em frente ao instrumento. Ainda mais porque não estamos falando de um pianista qualquer, mas de alguém que toca com uma velocidade impressionante. Então, meu estudo foi basicamente corporal, criamos um balé de mãos. Minha maior preocupação era estar sempre nas regiões certas do piano, e isso a gente conseguiu, até porque o João fiscalizava tudo”, conta Nero.
“Ficamos amigos, estivemos juntos em todos os eventos de lançamento do fi lme e o João me convidou para cantar três músicas em um concerto que ele vai reger com a Orquestra Bachianas”, revela.