Por Luís Pimentel Jornalista e escritor
Mil novecentos e sessenta e oito. Esse milhar foi, para o Brasil e o mundo, punk, pop e pauleira. O ano que Zuenir Ventura garante que "não terminou" marca, aqui, a assinatura do Ato Institucional nº 5, que deu carta branca à ditadura para nadar de braçadas no mar das arbitrariedades. Protestos políticos e estudantis mudaram a cara do planeta; Edson Luiz, Martin Luther King e Robert Kennedy foram assassinados; abriram um boteco minúsculo em Copacabana chamado Bip Bip.
Entrei naquele bar da Rua Almirante Gonçalves, um ventrículo do coração de Copacabana, na década de 80 do século passado, para lançar um livro ('Geraldo Pereira um escuro direitinho'), a convite do meu parceiro na obra, Luiz Fernando Vieira, e nunca mais saí. Fiquei porque fui recebido com o "Seja bem-vindo, meu amor" mais sincero que já ouvi. E porque ali conheci João Pinéu, o maluco-beleza e acrobata do circo da vida, que bebeu a orla, cheirou o morro, incendiou a mente e o próprio corpo, e que agora cura a ressaca com as estrelas.
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No Bip Bip, que já tive a alegria de cantar em verso e em prosa (essa crônica nasce de outra, chamada 'A tribo bipeana', que fiz para o livro 'O meu lugar', da Mórula Editorial), completou 49 anos anteontem. Corpo de senhor e sorriso de menino, pois os bares não envelhecem. Ali, aprendi a amar o convívio com grupos dos mais diversos.
Engoli lições servidas em pílulas de vida, vi cometas descabelados darem voos rasantes, ouvi Alfredinho dar esporros transcendentais em amigos do peito e colocar desafetos no colo, mergulhei em noites e rusgas e desaforos e azias que se misturaram com poemas feitos de cinza e fumaça.
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O bar é minimamente além da porta: um pouquinho pra dentro, dois ou três metros quadrados, outro pouquinho para fora, um toldo mínimo e três ou quatro mesas (nos dias de semana, porque aos domingos é público de pé mesmo!). Não me canso de saudar a Casa e seus boêmios, que são muito mais cúmplices do que frequentadores. De minha parte, praticamente não vou mais a bares. Hoje só vou (quando ainda vou, cada vez menos) ao Bip. Porque ali não me sinto mais num bar, e sim num beco afetivo com entrada e saída. E porque o Bip é antes de tudo Alfredinho, corpo (cansado) e alma (lavada) do boteco, para quem um dia fiz um poema que num trecho diz assim:
"Certos homens são espumas, feitos do efeito do nada. / Outros, assim, pedra pura, nervo exposto, casca dura, flores que cospem os espinhos. (...) / Conheço os que se exibem, os que se enroscam, se inibem, e os que se bastam sozinhos. / Uns homens são tantos nomes, outros são só Alfredinho." (in 'O calcanhar da memória', Bertrand, 2004).
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Parodiando o norte-americano (Dee Brown) que parodiou o cacique da tribo Suaquamish, escrevo que enterrem o meu coração na curva de Almirante com Ayres Saldanha, ouvindo a tribo bipeana batucar nas latinhas.