Luís Pimentel, colunista do DIA - Divulgação
Luís Pimentel, colunista do DIADivulgação
Por Luís Pimentel Jornalista e escritor

A turma se reuniu para uma confraternização de Ano Novo no bar de sempre, nas imediações da faculdade. Estavam em 1968, a ditadura militar afiava os dentes para a guerra. O ano que não terminou teve início feroz e ficou a cada dia pior, mas eles eram amigos, todos muito jovens, cheios de disposição, saúde e projetos. Cinco rapazes e a Sylvinha, a linda Sylvinha, que participava de todos os assuntos - inclusive futebol e mulher - e bebia igual a todos eles, adorava todos eles, mas não dava para nenhum.

A turma, em peso, adorava a Sylvinha, mas detestava sua determinação nesse último quesito.

O sexteto entornou todas, comeu mais ainda, e prometeu repetir a dose dali a 50 anos, se estivessem vivos (claro que estariam! Ninguém pensa que pode morrer um dia quando se tem menos de vinte anos). Cada um falou muito de seus projetos futuros, quem ia exercer a profissão no interior, quem faria doutorado na Europa ou nos Estados Unidos, quem seria o primeiro a ficar rico e, especialmente, quem seria o primeiro a pegar a Sylvinha.

Os planos dela eram os mais singelos. "Quero apenas casar e ter filhos. Mas não será com nenhum de vocês".

Antes do final daquele ano foi decretado o Ato Institucional nº 5, o pau comeu no Teatro Oficina, a Jovem Guarda fez ouvidos moucos ao som do Iê-iê-iê, Simonal embalou a galera com o limoeiro e o jacarandá, Chico fez o que pôde, o Cinema Novo soltou Deus, o diabo, os dragões da maldade botavam fogo pelas ventas. Aqueles amigos, divididos entre a porra-louquice, casamentos, luta armada, exílio etc, se perderam na estrada cheia de curvas dos descaminhos.

Mas se acharam na primeira semana de 2018, cinquenta anos depois, graças a pesquisas nas redes sociais, e voltaram ao velho pé-sujo - agora um boteco de grife metido a besta, mas funcionando no mesmo endereço. Foram se chegando, um a um (até porque alguns já caminhavam com certa dificuldade), até darem conta de que só faltava a Sylvinha.

Abriram os trabalhos e as garrafas com a seção confissões: dois entraram e saíram da guerrilha e depois de partidos políticos, um estava na mira da Polícia Federal, outro garantiu que votaria novamente no Lula, dois não podiam mais beber, todos haviam casado e se separado, um ficara rico, nenhum pegara a Sylvinha.

Que, aliás, chegou nesse exato momento, mais bonita do que nunca, agora de óculos grossos e cabelos brancos: "Feliz Ano Novo, meninos!"

Foi um tal de engolir às pressas remédios para a pressão arterial, pedir nova rodada de chopes (inclusive os dois que não podiam mais beber), entornar vinho na camisa. E tudo recomeçou, pois o destino de tudo é recomeçar. Madrugadinha, começaram a arrumar as trouxas, pois o dia seguinte seria de médicos, fisioterapias, caminhadas moderadas, essas coisas. Um deles pensou em propor novo encontro, para daí a cinquenta anos. Mas não teve coragem.

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