Rio - Muito antes de Donga e Mauro de Almeida espalharem o aviso do chefe de polícia (e também da folia) de que na Carioca havia uma roleta para se brincar, o Rio de Janeiro dava samba. ‘Pelo Telefone’ foi composto há pouco mais de 100 anos e lançado em 1917, mas àquela época já se fazia batuque e pagode em alguns morros da cidade, em algumas encruzilhadas do subúrbio e em certas vielas apertadas da Praça Onze — onde tias baianas caprichavam nas moquecas e sobrinhos cariocas de sapatos brancos espalhavam a boca de sino para ventilar melhor as canelas. Um pouco antes da balança onde os malandros iam sambar, que o Cartola eternizou, e de ser reconhecida uma certa cabrocha lá no Estácio de Sá, “Que encanta e maltrata, do bloco Deixa Falar”, disputada nos versos de Ismael, Bide e Heitor dos Prazeres.

Até hoje o Rio dá samba, com suas rodas que reverenciam o gênero de Oswaldo Cruz à Lapa, do Trapiche à Copacabana do Bip do Bip, passando naturalmente pela Glória, Catete e... Botafogo. Ali que se instala, sempre no segundo e último sábado de cada mês, em um bar (pelo menos não é mais um boteco de grife) chamado Belmiro, a aglomeração de amantes da boa música para ouvir o que de melhor os melhores compositores do bairro compuseram. E não são poucos, pois em Botafogo nasceram ou viveram, beberam, festejaram a vida, se espalharam e criaram obras-primas nomes como Mauro Duarte, Walter Alfaiate, Niltinho Tristeza, Paulinho da Viola, os irmãos Mical e Miúdo, Zorba Devagar, Annunciato e tantos outros bambas.
O Samba de Botafogo (fui lá no último encontro, estou com repertório e nomes do time fresquinhos na memória), já quase Humaitá, é comandado por Paulinho do Cavaco, ótimo músico e compositor gravado por tanta gente boa, acompanhado pelo delicioso grupo Tocando a Vida (cuja formação básica é esta: violão: Gomide e PC; cavaquinho e voz: Paulinho e Marquinhos Duarte; pandeiro: Jenner Menezes; tamborim: Mário Neto; cuíca: Zé Carlos; surdo: Vinícius) e contando sempre com canjas musicais de Eliane Duarte (filha de Mauro e irmã de Marquinhos) e Celso Lima, entre outros.
É bonito de se ver. Sustentando a tradição do samba carioca, de ser música popular a custo baixo, a roda transcorre em clima de perfeita harmonia, serviço de bar com direito a cerveja e pasteizinhos caseiros a preço honesto, muita gente escancarando a garganta para acompanhar as músicas e lua generosa banhando o cruzamento etílico entre o conde (de Irajá) e o visconde (de Caravelas). Como diz o belo samba que Paulinho da Viola e Aldir Blanc fizeram para Walter Alfaiate lançar em seu primeiro disco, relembrando vultos do bairroestrela solitária (Osvaldo Tintureiro, Alcides do Cantinho da Fofoca, Pica Fumo, Jair Cubano...), “tanto fazia ser em Botafogo ou no Humaitá”.