Sou dos que acham que boa parte do caráter da pessoa se define até os 7 anos de idade. O que vem depois importa pouco. Nessa onda, acho ainda que os medos fundamentais adquiridos na infância nunca abandonam o sujeito. Explico.
Passei boa parte da infância me esbaldando no Jardim Nova Era, em Nova Iguaçu, onde minha avó tinha um terreiro que batia para orixás e encantados. Cresci tomando esporros e recebendo conselhos de caboclos e pretos velhos. Certo dia um caboclo — com cocar de metro e meio de altura adquirido no Mercadão de Madureira — perguntou-me do que é que eu tinha medo. Eu andava tendo pesadelos e minha avó achou que a entidade poderia resolver isso. Respondi na lata: "Tenho medo do Mão Branca. Sonho que ele vai me pegar".
O caboclo me benzeu com arruda e guiné, baforou o charuto na minha cara e resolveu meus pesadelos. O temor em relação ao personagem, todavia, não me abandonou. O Mão Branca ocupou para mim o papel que o Bicho-Papão desempenhou para outras crianças.
Mão Branca era o verdugo da Baixada Fluminense. Jurava bandidos de morte, desovava corpos e deixava bilhetes com listas de vítimas. Eu tremia só de pensar na possibilidade de cruzar com o valentão. Perto da Rua Castor, onde ficava a casa da minha avó, havia uma esquina sugestivamente conhecida como a “esquina do pecado”. O que pintava de presunto na área não era mole. Coisa do Mão Branca, é claro. Passei um tempo sem coragem de ficar na rua soltando pipa até tarde, com temor de encontrar o cabra cortando alguém em pedacinhos.
Soube, tempos depois, que o Mão Branca era uma invenção de um repórter da ‘Última Hora’, que pretendia criar quizumba para pressionar as autoridades a atuar contra a criminalidade. O problema é que o personagem acabou indo além das intenções do autor, virou uma espécie de herói justiceiro da Baixada Fluminense e serviu de fachada para a atuação do esquadrão da morte. Havia mesmo quem desse ao sujeito o status de vingador do povo desamparado.
Os tempos hoje são outros. Os grandes Wilson Moreira e Nei Lopes, em um samba chamado ‘Sapopemba e Maxambomba’, louvaram a Baixada Fluminense, contaram as histórias da sua gente, recordaram seus personagens — como Tenório Cavalcanti e o pai de santo Joãozinho da Goméia — e avisaram aos que ainda acreditam nos justiceiros de plantão que o esquadrão fechou a tampa. Ainda bem.
De minha parte, continuo sendo aquele moleque do Jardim Nova Era. Poucas coisas me apavoram mais que os justiceiros de plantão. Deles, como do Mão Branca, quero distância.