Dildos no Louvre

Por SELECT ART

Na França, o país da liberdade, igualdade e fraternidade, vestir/portar objetos que se pareçam eróticos, assim como vestir um dildo, pode eventualmente ser chamado de atentado ao pudor; mesmo que diversas estátuas e pinturas do Louvre (um dos museus que mais arrecada dinheiro no mundo, cuja entrada custa 14 euros ± 50 reais – a comida de uma semana de uma família com salário mínimo brasileiro) estejam repletas de representações similares de falos e que a Torre Eiffel seja o maior símbolo fálico que eu conheço (perdendo em charme pra Torre de Pisa). Lembro de um discurso inflamado no Womens art revolution de um político dizendo que poucas coisas são mais pornográficas que armas, símbolos fálicos que matam.

Dildos no Louvre é uma performance lesbo drag king feminista de dois corpos nascidos com o cromossomo x que foram amantes e que ao vestir o strap-on borram as fronteiras entre o público/privado e masculino/feminino, jogando com as ferramentas e dispositivos sexo-políticos. É uma ação de descolonização de um território que opera como significante semiótico e poder produtor de discursos de verdade.

Trata-se da fabricação de imagens das observadoras-representação, diante das representações tradicionalmente codificadas e solidificadas. É um hackeamento não autorizado do espaço museológico eurocêntrico que suscita as perguntas O que é arte? Quem a produz? Quem lhe confere sentido e status? Aquilo que recebe o nome de arte e seu espaço são invadidos. Influindo sobre a percepção do real de um dos museus mais visitados do mundo.

É a liberação de dois corpos femininos, migrantes e privados ( porque corpo feminino não deveria ocupar a esfera do público, a não ser quando sua nudez é a presença da coisa morta), através de um jogo com as normas. O falo na sua versão commodity: o dildo, destituído de seu poder simbólico. O dildo pantynova, com reminiscências de flores e plantas, feito por mãos lésbicas, escultura. Propõem formas da natureza, representações fálicas mas não falocêntricas. Nos corpos femininos com transparências e decotes em paetês. Um confronto com as imagens clássicas, aceitas, de arte que normatizam a morte e a exploração do feminino. O corpo latino sem autorização em confronto com o espaço museológico europeu.

Um dildo apontado bem na cara da heteronormatividade, evidenciando as farsas que constituem a legitimação da presença feminina dildica, diante do quadro legitimado como arte, no espaço legitimado museu, deslegitimando a heteronormatividade que quadros como a Morte de Sardanapalo legitimam, por exemplo, quando ilustra e representa o sujeito feminino falado, e  não falante, propriedade do imperador, cujo sadismo as exige antes de ser morto.

As fotos da performance são ruins. É um registro artístico é arte não pela qualidade estética, mas pelo seu valor é performativo. Theo e Wesley não são fotógrafos, são artistas performando um hackeamento, performam ao registrar. A estética da gambiarra e submidialogia se completam o strap-on improvisado de barbante. O dildo é um dispositivo revolucionário, o olho consumidor dominante da pornografia que é o homem, aquele que detém o falo invejado, se depara com sua versão commodity, e isso encerra uma ruptura epistemológica sobretudo para o sujeito-falado mulher.

Dear Doctor Freud,

I was wondering today how miserable I was reading your books.

While the energy of my youth, the pain of human history, the anxiety to find my place in the world as an intellectual, the revolt that all the injustices that I was seeing around was provoking me, while all this feelings were running inside my body, working here inside, in the name of life, to put me up to fight for a better world, in your writings I could just see myself as an aggressive not loved girl.

You told me my pain and my anger were the result of the envy that I had from having a penis. I’ve trusted you, as I trust people and humanity even though we are so fucked as a global community.

But I am not a conformist, as you are.

So I observed. I tried to understand.

In such a sunny day, I went for a walk. I passed by some stores and I entered one of this stores – and there are lots and lots of them anywhere, and even if you really don’t want to move, there is thousands more over internet – this stores that sell love, hot films, poppers, costumes for the best parties, and dicks. You know, Dr. Freud, having a penis is far easier than you thought. I don’t need to marry anyone, or to have a baby to fill my inner voids. I can just buy my own dick, and it is so nice, so anatomic, and so gentle. It’s handmade. There is lots of colors and shapes available, materials, textures, they are not expensive, and it makes me laugh for hours and hours.

It’s terrific.

Paula Alves é cineasta, performer com mestrado em Arte Terapia em Sorbonne 

Sue Nhamandu, a pornoklasta, é filósofa, artista e terapeuta sexual, professora convidada na Université Jean Jaures. Em setembro, a Casa Bucetyka, fundada por Nhamandu, inaugura sua programação de atividades educativas voltadas ao prazer de corpos com vagina, para mulheres cis, homens trans e pessoas não binárias. Para mais informações, acesse aqui.

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