Por SELECT ART

A incorporação da fotografia brasileira ao acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA-NY) é uma longa história que tem início nos anos 1940, com a doação de sete trabalhos das mãos do fotógrafo Thomas Farkas para Edward Steichen, diretor do então recém-criado Departamento de Fotografia do museu. Mas foi só dez anos depois que essas fotos começaram a ser formalmente aceitas e adquiridas. Em São Paulo para participar do seminário internacional “Fotografia Moderna? Fragmentos de uma História (Brasil 1900-1960)”, no Instituto Moreira Salles, a curadora de fotografia do MoMA, Sarah Meister, reconta essa história para situar o que move hoje o interesse do museu nova-iorquino em assimilar ao seu programa outras narrativas modernas e contemporâneas, diferentes daquelas contadas pela teoria crítica norte-americana e da Europa ocidental. Esse é um dos projetos estruturais do “novo” MoMA, que reabre em 21 de outubro, após quatro meses de reforma – física e institucional. Sarah Meister conversou pelo telefone com seLecT, antes de embarcar para São Paulo. Diz ter perdido as contas de quantas vezes visitou a cidade. “Mais de oito”, garante.

A curadora do MoMa Sarah Meister (Foto: Scott Rudd)

seLecT: Desde que o MoMA adquiriu sua primeira fotografia brasileira das mãos de Thomas Farkas, o que mudou? Qual a extensão da presença do Brasil na coleção hoje?

Sarah Meister: 1959 foi o ano da aquisição da primeira fotografia de Thomas Farkas mas, de fato, ela chegou ao museu com um conjunto de fotos, uma década antes, após Thomas ter visitado Nova York com Edward Steichen. Existe uma carta maravilhosa de Farkas para Steichen sobre a doação dessas fotos. Desde estão, a coleção [de fotografia brasileira] cresceu, eu diria, bem devagar, ao longo de décadas, com algumas fotografias sendo adquiridas pontualmente, aqui ou ali. Fotos de Nair Banedicto [em 1980], Mario Cravo Neto [1996], Claudia Andujar 1962 e 1966], Sebastião Salgado [1990]… mas não muitas imagens, de nenhum deles. Até que, em 1997, Vik Muniz foi incluído na exposição New Photography 13 e então a situação começou a mudar. Mas eu diria que, nos últimos oito anos, nós temos feito um esforço mais significativo para incluir a representação de artistas brasileiros na coleção do museu. Temos adquirido tanto trabalhos contemporâneos de jovens artistas como Jonathas Andrade, Sofia Borges, Mauro Restiffe, quanto de uma geração um pouquinho mais velha, como Regina Silveira e Miguel Rio Branco. E é claro que uma das coisas que tenho focado é olhar o trabalho da geração de artistas que trabalhou com o Foto Cine Clube Bandeirante. Começamos com um olhar sobre Geraldo de Barros, e daí olhamos para as fotos de Farkas e adquirimos todas elas à coleção. Mas o que é surpreendente é nos dar conta da vitalidade daquele momento. Adquirimos, desde então, mais de 50 trabalhos de mais de uma dúzia de artistas dessa geração. Estamos muito animados em tornar a representação daquele momento mais robusta.

E como a aquisição de fotografia brasileira se insere em um quadro maior de aquisições de arte latino-americana?

Você está certa, não há um esforço isolado de olhar sobre o Brasil. Estamos também focados em aquisições de Argentina, Peru, Chile, México, Colombia e outros países.

O que estimulou a intensificação dessas aquisições há oito anos?

Foi uma série de fatores importantes que aconteceram juntos. Um deles foi quando o museu se deu conta de que teria que ter um curador de arte latino-americana. Isso remontava a um interesse dos anos 1940, com Nelson Rockefeller e outros. Ou seja, sempre existiu uma forte conexão entre a América Latina e o MoMA. Nos anos 2000, com Paulo Herkenhoff, depois com Luis Pérez-Oramas e agora com Inés Katzenstein – e logo Beverly Adams irá se juntar ao time –, temos tido curadores de arte latino-americana muito ilustres e brilhantes, que ajudam a dar mais peso ao diálogo e trazer uma conscientização sobre o que devemos fazer, de maneira geral, em termos de arte latino-americana. Em 2005, os esforços desses curadores foram suplementados com algo chamado The Latin American and Caribbean Fund. Esse fundo é formado por um grupo de trustees do museu e um grupo de colecionadores de toda a América Latina, que arcam com as aquisições de arte latino-americana realizadas em todas as mídias: fotografia, vídeo, pintura, tudo. Mas acredito que, além dos curadores e do fundo, o terceiro elemento que não pode ser subestimado é o estabelecimento, em 2009, de uma plataforma de pesquisa do museu, chamada C-MAP, que discute perspectivas da arte moderna e contemporânea a nível global. A C-MAP tem reconhecido que o museu está profundamente imbuído em ser uma instituição global, atenta às narrativas do modernismo que podem, ou não, intersectar com as histórias familiares da Europa ocidental e da América do Norte. C-MAP realmente forja o diálogo, a pesquisa e a parceria com artistas, críticos, curadores e acadêmicos de diferentes regiões ao redor do mundo. A América Latina é uma dessas regiões.

O programa do C-MAP está relacionado ao foco global do novo MoMA?

É uma ótima pergunta. Sim, está. Está no coração de tudo o que nós faremos quando o museu for reaberto, em outubro. Isto é: contar histórias da arte moderna, usando a extraordinária coleção do museu, mas também contar histórias que realmente se projetem além das narrativas conhecidas, que caracterizaram a maneira com que gerações previas articularam uma história moderna através da coleção. Então, uma das grandes mudanças que estamos implementando, quando reabrirmos, é que o MoMA terá notavelmente uma nova presença internacional nas salas expositivas. Mas penso que também o display da coleção vai rodar com muito mais frequência. Seremos capazes de mostrar muito mais da coleção. Em vez de apresentar algo que pode ser percebido como uma narrativa rígida sobre arte moderna e contemporânea, virá à tona algo muito mais dinâmico e mutante, e, nesse sentido, mais reflexiva desse interesse em praticas artísticas de fora de Nova York.

Existe hoje no Brasil uma urgência em entender o modernismo além dos acontecimentos do eixo Rio-SP, além do concretismo paulista, do neoconcretismo carioca, do Foto Cine Clube Bandeirante… Existe toda uma pesquisa a ser feita além desses limites. Como o MoMA, ou o C-MAP, tem se relacionado com a produção artística de outras regiões brasileiras?

Bem, estou ciente de que os esforços atuais de apresentar o trabalho do Foto Cine Clube Bandeirante para uma audiência nova-iorquina ou norte-americana não implica em que eu não pense que existem outras áreas do modernismo no Brasil, outros modos de pensar, que também precisam ser vistos. Me lembro de ter visto no MAR [Museu de Arte do Rio] uma mostra sobre práticas experimentais em Pernambuco. Fascinante, muito importante! Algumas figuras eram familiares para mim, mas muitas não eram. Então, minha sensação é que, quando você quer fazer algo bem, você deve saber que não pode fazer tudo. Nós temos certos focos agora, mas não temos a ideia de que a conclusão de um projeto em particular será o fim da história. Isso não ocorre somente com o Brasil, mas também com os Estados Unidos. Eu acredito que o Foto Cine Clube Bandeirante é, verdadeiramente, um extraordinário grupo, atuando em um momento extraordinário. E tem sido muito interessante para mim usa-lo como uma lente para compreender questões que vão do amadorismo, ao gosto e aos elementos que fazem uma boa foto. De alguma forma, ele me traz, hoje, algumas questões sobre o Instagram e sobre nosso momento contemporâneo. Acho fascinante considerar essas questões através da lente do Foto Cine Clube. Gosto quando trazemos algo que é historicamente significante, mas que também tem importantes reflexos contemporâneos.

É, sem dúvida, importante que o Foto Cine Clube Bandeirante seja visto pela ótica do MoMA.  

Esperamos que sim!

Quais são as prioridades da coleção de fotografia hoje?

Bom, eu diria que temos múltiplas prioridades e regularmente precisamos de curadores de dentro do museu, e de colegas de fora do museu, para manter uma balança calibrada: sobre como devemos abordar o moderno, o contemporâneo e o histórico; como continuamos a empreender esforços para ampliar a presença da mulher; como podemos olhar para comunidades que foram subrepresentadas historicamente, particularmente nos EUA, onde mulheres, ou afro-americanos ou nativos-americanos foram objeto da fotografia, mas nunca considerados fotógrafos. Estamos interessados em todas essas questões. Estamos agora em um momento entre curadores chefes. Quentin Bajac, que foi curador chefe nos últimos seis anos, aceitou em fevereiro um convite para ser o diretor do Jeu de Paume, em Paris. O novo curador chefe ainda não foi nomeado, mas certamente a primeira coisa que fará é uma avaliação estratégica da coleção. Sou muito confiante de que ele continuará a dar atenção às praticas internacionais e a olhar tanto para o trabalho histórico quanto para as práticas de hoje.

Em texto escrito em ocasião de visita à SP-Arte/Foto, em 2015, você disse ter conhecido os trabalhos de Alair Gomes e de Cao Guimarães, e de ter conhecido Rosângela Rennó pessoalmente. Agora, de volta a São Paulo…

Ah, mas lamentavelmente vou embora antes da SP-Arte/Foto. Estamos preparando o novo museu e tenho que voltar logo para NY. Venho desta vez apenas para a conferencia da Helouise [Costa, professora livre-docente do MAC-USP] e da Heloisa [Espada, curadora do IMS].

Mas terá tempo para uma rápida pesquisa?

Toda vez que venho a São Paulo – e esta será minha terceira viagem nos últimos 12 meses! – tento ver exposições, bienais, museus, galerias, tento fazer studio visits, almoços e jantares com artistas e curadores…

Como percebe a cena institucional e artística da cidade?

Incrivelmente vibrante. Penso que vocês tem, não apenas artistas incríveis trabalhando hoje e tendo trabalhado historicamente, mas também muitos e bons curadores que estão pensando sobre como apresentar os trabalhos desses artistas para o publico. Vocês tem um numero considerável de importantes e robustas instituições, desenvolvendo programas há várias décadas. Penso que a cena artística no Brasil, em geral, e certamente em São Paulo, é incrivelmente vibrante. Praticamente inesgotável.

 

 

Serviço: Seminário internacional Fotografia moderna? Fragmentos de uma história (Brasil, 1900-1960)

13, 14 e 15 de Agosto

Cineteatro do IMS Paulista

Vagas esgotadas

 

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