Por bruno.dutra
Rio - Depois de anos sem investimentos em transporte ferroviário de passageiros, o governo tem em mãos estudo coordenado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que identifica 22 projetos de reativação de linhas férreas para implantação de trens regionais. Seis deles foram definidos como prioritários, já com estudos de viabilidade. Um, ligando Londrina a Maringá, no Paraná, será detalhado já em 2015. O trabalho faz parte de um esforço da ANTT para fomentar o modal, que teve seu último bom momento na década de 80, mas hoje tem apenas duas rotas regulares em operação.
“Não tem mais que discutir se vai ou não ter. Tem que criar uma política para viabilizar”, afirma José Queiroz, assessor da diretoria da ANTT, que coordenou o grupo de trabalho responsável pelo estudo “Trens de passageiros: Uma necessidade que se impõe”. Além da avaliação dos trechos, a agência já encomendou à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) uma proposta de marco regulatório para o setor. “O governo precisa urgentemente estabelecer uma política e criar uma estrutura para gerir o setor. Hoje está muito espalhado, é preciso concentrar”, comenta Queiroz.
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No estudo, foram avaliados trechos onde é possível implantar linhas de passageiros sobre malha existente. O documento chegou a 22 trechos. Destes, seis foram definidos como prioritários, para os quais já existem estudos de viabilidade técnica e financeira (EVTE).
“O próximo passo é fazer projetos executivos. E definir: vamos fazer pilotos? Com os seis?”, diz Queiroz. Entre eles, está o trecho Londrina-Maringá, contemplado no Orçamento de 2015 com recursos para detalhamento de projeto. Com investimento projetado em R$ 430 milhões, a valores de 2013, a rota projetada tem 150 quilômetros e 21 estações.
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Segundo o Ministério dos Transportes, os outros cinco trechos já tiveram estudos aprovados, mas ainda não há definição sobre o investimento. São eles: Caxias do Sul-Bento Gonçalves e Pelotas-Rio Grande, ambos no Rio Grande do Sul; Conceição da Feira-Salvador-Alagoinhas, na Bahia; Codó-Teresina-Altos, entre Maranhão e Piauí; e São Luiz-Itapecuru Mirim, no Maranhão. Juntos, os seis trechos prioritários têm investimentos estimados em R$ 3,4 bilhões, incluindo obras de superestrutura, infraestrutura, material rodante e sinalização. Os valores, porém, devem mudar após o detalhamento dos projetos, alerta Queiroz.
Em geral, os investimentos são previstos para recuperação de infraestrutura existente, melhoria de traçados e modernização ou construção de estações. No projeto Londrina-Maringá, há a perspectiva de construção de uma nova linha paralela à linha existente. Segundo os estudos da ANTT, as taxas de retorno oscilam entre 10% e 15%.
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A falta de recursos, principalmente em anos de ajuste fiscal, porém, é apontada como principal empecilho ao andamento do projeto, na avaliação de especialistas. Diante dos gargalos logísticos do país, o governo tem olhado com mais atenção a projetos de transporte de carga, que ganharam destaque no Plano de Investimentos em Logística (PIL), lançado em 2013. Para o transporte de passageiros, o único projeto incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é o Trem de Alta Velocidade Rio-São Paulo, que está sendo reavaliado após duas licitações fracassadas.
“Os projetos não se sustentam com a tarifa. É preciso investimento público em infraestrutura e depois decidir quem vai operar. Pode ser concessão, pode ser o próprio governo”, admite o assessor da diretoria da ANTT. “O investimento em infraestrutura tem que ser a fundo perdido”, concorda José Antonio García Bárez, chefe de Coordenação e Apoio da estatal espanhola Renfe, uma das interessadas no projeto do trem-bala brasileiro. A Espanha hoje transporta quase 100 mil passageiros por dia em uma rede de 10,3 mil quilômetros de trens regionais — a estatística não considera a rede de alta velocidade.
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Lá, a malha é operada por uma estatal, a Adif, e a operação do transporte de passageiros e de cargas, pela Renfe. Aqui, há hoje apenas duas rotas regionais com operação regular, ambas operadas pela Vale: a Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), que liga Belo Horizonte à Região Metropolitana de Vitória, e a Estrada de Ferro Carajás (EFC), que liga Parauapebas (PA) a São Luis. Foram herdadas com a concessão das linhas usadas para o transporte de minério de ferro e, juntas, têm uma extensão de 1,5 mil quilômetros.
“A logística é um problema brasileiro, mas toda hora que se discute o tema, só se fala em carga. Logística de carga é importante, mas poderíamos determinar que 10% do investimento fosse destinado a passageiros”, conclui Queiroz.
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Trem de passageiros virou coisa de turista no Brasil
Reginaldo dos Santos chegou cedo com a mulher Regina e o filho Renan à Estação Ferroviária de Belo Horizonte. Do terminal até o vagão de primeira classe onde viajaria, tirou foto de quase tudo. “Trabalhei 10 anos como mecânico de locomotiva, sou apaixonado por trem”, contou. Tanto que, em uma viagem entre Campinas, onde mora, e Vitória, onde visitaria amigos, decidiu fazer um desvio para pegar o trem da Estrada de Ferro Vitória Minas (EFVM), um dos dois únicos trechos regionais em operação hoje no Brasil. “Trem de passageiro virou coisa de turista no Brasil”, brincou.
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De fato, há turistas no trem, mas há muita gente que prefere o conforto e a segurança da linha férrea a enfrentar as estradas sinuosas da região. “É mais fácil trabalhar, o ônibus balança muito”, disse Alberto Martins, representante de vendas que, duas vezes por mês, viaja entre Cariacica e Ipatinga, no Vale do Aço, para visitar clientes. “É muito mais seguro”, concorda Rosilda Marciano da Silva, que estava com a filha Bianca a caminho de Governador Valadares.
“Agora está melhor, acabou o calor e a poeira de minério”, completou Bianca.
Ela se refere aos novos vagões com ar condicionado em operação desde agosto deste ano, que tornaram a viagem mais agradável, atraindo uma nova leva de passageiros. A maior parte deles se desloca entre as 28 estações da linha, que tem 664 quilômetros de extensão. Daqueles que saem da capital mineira às 7h30 da manhã, restam poucos após Governador Valadares — daí em diante, o trem passa a atender mais ao público capixaba. É em Valadares, quase na metade do caminho, que mora a tripulação, entre eles o maquinista Leandro Gaigher, que optou pela carreira de tanto usar o trecho entre Ipatinga e Aimorés.
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Entre uma ponta e outra, a viagem dura 13 horas, em uma velocidade máxima de 68 quilômetros por hora. A linha é compartilhada com o transporte de cargas, principalmente minério de ferro extraído em Minas ao longo do trajeto.
Operadora da EFVM, a Vale garante que o trem de passageiros tem prioridade, mas o intenso fluxo de composições de carga tem problemas. “A Vitória-Minas é devagar porque tem que dividir espaço com grande quantidade de carga. Os projetos novos falam em velocidade entre 80 e 100 quilômetros por hora”, disse o assessor da diretoria da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), José Queiroz.
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No dia em que a reportagem do Brasil Econômico viajou entre uma ponta a outra, foram duas horas a mais de duração, resultado de um incidente com uma composição de carga. Houve reclamações de passageiros frequentes, mas Reginaldo, que passara toda a viagem fotografando, parece não ter se importado. “É o único trem do Brasil, não é?”
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