Por bruno.dutra
Como o senhor vê os primeiros passos da nova equipe econômica e os ajustes na Previdência?

São medidas necessárias e na direção correta, embora o momento seja ruim. Parte-se de um ano base, 2014, de resultados desastrosos. Por maior que seja o esforço de ajuste — e efetivamente tudo indica que será grande — o resultado de 2015 será afetado pela base de comparação e pelo desempenho da economia, que também será ruim, não se descartando uma taxa negativa de crescimento.
As medidas tomadas são suficientes para garantir que a economia retome o caminho do crescimento?

Há duas incógnitas naturais associadas. A primeira: qual será o desempenho da economia? Não é a mesma coisa ter uma meta fiscal X com um PIB crescendo a 1%, e com um PIB com um pequeno crescimento negativo. Isso vai afetar a receita e pode fazer com que o alcance da meta se torne mais difícil. Em segundo lugar, em relação às próprias medidas, dos R$ 8 bilhões anunciados ainda no final de dezembro, resta saber o que será efetivamente aprovado. Há todo um zum zum zum público com alguns entrechoques entre apoiadores do governo, a começar pela base sindical, que levanta dúvidas genuínas sobre até que ponto aqueles números serão efetivamente alcançados. Na barganha política, dada a configuração de forças no interior do governo, deve haver alguma redução desse esforço, como a mudança do número de vezes requeridas para se obter o seguro-desemprego.
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Não seriam naturais os choques, pela extensão das mudanças?
Faz parte de todo o processo das parcas reformas da Previdência realizadas até agora que haja um resultado menor do que aquele que ocorreria com a medida original. Anos atrás, foi feito um estudo técnico por uma equipe de professores da USP sobre a Reforma Previdenciária do Governo Lula mostrando como ela foi parcialmente desidratada. Na ocasião, a reforma sofreu uma erosão em termos de resultados fiscais no tratamento legislativo na Câmara, no Senado e no Supremo Tribunal Federal. Embora agora não seja uma emenda constitucional, há um processo legislativo de negociação, sujeito ao mesmo tipo de forças. Com uma diferença importante: o quórum necessário agora é menor do que o de Lula, porque se trata de uma medida provisória. Soma-se a isso o fato de a força política do governo ser menor, com mais fragmentação, e, sem dúvida, haverá uma oposição frontal da parte da oposição. Coisa que não existiu em 2003. Agora, a oposição vai ser a oposição.
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Com o minipacote de ajustes, houve uma reação forte dentro do próprio PT. O sr. vê condições políticas para que se tenha um avanço maior na reforma da Previdência?
Isso requer um apetite para negociação política, que não tem sido forte no Executivo nos últimos anos. Por outro lado, a despesa da Previdência vem subindo e, agora, teremos provavelmente dois anos difíceis: 2015 e, ainda que em menor medida, 2016. Olhando para frente, a despesa deve continuar aumentando. Nós teremos um número de idosos cada vez maior. É um quadro preocupante. Eu diria que haveria condições técnicas propícias a esse entendimento, mas cabe a ambas as partes. E quem tem que liderar esse processo é o Executivo. Agora estamos em pleno embate, não é o momento. Passada essa discussão e as eleições municipais de 2016, em 2017 acredito que a presidenta Dilma teria uma janela de oportunidade para deixar a sua marca na história, conduzindo uma negociação política de alto nível, voltada para a tentativa de formação de um consenso em torno dessas questões. E o ministro Levy seria o melhor auxiliar do Executivo para dar suporte.
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Por que a agenda da reforma teria espaço efetivo só em 2017?
Em 2017, todo mundo vai começar a olhar para 2018 e, depois do resultado apertado da última eleição presidencial, eu diria que vai ser a primeira vez, desde a eleição de Lula, em que faltando um ano para a eleição, a oposição será vista, inclusive pelo governo, como uma entidade com grandes chances de ascender ao poder. No lado do governo, principalmente se o ex-presidente Lula for candidato, certamente haveria mais chances.
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Mais chances de debate com a sociedade?

A temática previdencial deveria ser encarada como uma questão de Estado e não como uma questão de governo. Se ela for objeto sempre dessa guerra de guerrilhas no debate entre governo e oposição, é óbvio que as chances de avançar são mais limitadas. Mas se for entendido que é algo que interessa ao país, independentemente do governo de plantão, pode haver um apoio maior, de tal forma que se delimite o que é objeto de discussão e debate político e o que pode ser uma questão de consenso. Mas isso requer uma alta política e uma capacidade de negociação, que eu não tenho visto.
Quanto às medidas de ajuste, pode haver um retrocesso nas propostas originais
na tramitação no Congresso?

Em relação às pensões, tenho visto menos resistências. É natural que assim seja. As pensões são um benefício derivado, são poucas as pessoas que se veem, no debate político, diretamente afetadas pela mudança nas pensões. A percepção de que as medidas são inteiramente justificadas é praticamente unânime. No caso do seguro-desemprego, o governo está muito correto no que está propondo. Mas faz parte da lógica sindical o que eles estão reivindicando.
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As medidas tomadas são suficientes para resolver o déficit crônico da Previdência?

Não. Só o ajuste nas pensões afetará a Previdência, visto que as demais vão gerar reflexos na seguridade social, no sentido mais amplo. No caso da Previdência, não vamos ter um impacto fiscal agora, pois será diluído ao longo do tempo, já que não afeta benefícios já concedidos, e nem poderia. Isso fará com que as futuras gerações de pensionistas recebam menos do que as atuais, o que será um elemento importante de correção do desequilíbrio previdenciário a longo prazo.
As pensões são um problema fiscal para outros países?
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Quando se compara quanto o Brasil gasta com Previdência e quanto outros países gastam, nota-se que uma das principais razões é o custo com pensões, que é realmente um ponto fora da curva, pela generosidade do nosso sistema. Falo da pensão integral, do benefício concedido à viúva jovem. Com essa nova medida, vai haver uma redução. Mas é preciso lembrar que o piso previdenciário está preservado e a maioria do pagamento de pensões é de pessoas que ganham um salário mínimo. Teremos a redução expressiva de 40% no caso de não haver outros filhos, ou 40% mais 10% por dependente, mas isso está condicionado ao piso. Da forma que, se valer o piso, a redução será nula. O segundo elemento a considerar é que essa ação se dará ao longo do tempo. As novas pessoas que ingressarem no sistema do INSS é que receberão um pagamento menor. Logo, os impactos dessas ações só serão completadas daqui a 20, 25 anos. O efeito de curto prazo é mais modesto. É preciso considerar ainda que cada ano de baixo crescimento do país gera um custo de elevação da despesa previdenciária como proporção do PIB. O número de benefícios vinha crescendo algo como 3,5% por ano por razões demográficas. Digamos que em 2016 tenhamos um crescimento do PIB de 1,5% e um crescimento do número de benefícios de 3,5%. Temos uma diferença de 2 pontos percentuais. Mas ela vai incidir sobre 7,5% do PIB, que é a despesa atual do INSS. Logo, como resultado, será adicionado mais 0,15% do PIB à despesa com Previdência.

É uma despesa elevada comparada a outros países?
Há um gráfico, que eu gosto muito de apresentar, que compara um conjunto de 30 a 40 países, colocando no eixo horizontal a proporção de idosos com relação à população total e no eixo vertical quanto o país gasta com Previdência, fazendo um corte arbitrário de 10%. Se dividirmos o gráfico em quatro quadrantes, nesse universo de países o Brasil é o único que está em um quadrante errado, no sentido de que é o único país que tem uma população ainda jovem e que gasta mais de 10% do PIB com Previdência. É importante ressaltar que os 7,5% do PIB se referem apenas às despesas com o INSS. Adiciona-se ainda a despesa do governo com antigos servidores públicos federais e mais dos estados e municípios. O que soma aí mais 3,5% a 4% do PIB, indo a mais de 11% do PIB. Nós gastamos como proporção do PIB algo parecido com a Grã-Bretanha, que tem o triplo de idosos em relação ao Brasil.
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Como isso se explica?
Esse peso foi aumentando muito ao longo dos últimos 25 a 30 anos e parte disso se deve ao baixo crescimento do período. Tivemos um bom período de crescimento entre 2003 e 2010, mas, de modo geral, os últimos 30 anos foram de baixo crescimento. E como o numerador foi crescendo por razões demográficas, isso foi um elemento de pressão. O crescimento do salário mínimo, que foi a 160% em termos reais desde o Plano Real, foi sendo transportado para o piso previdenciário, gerando uma pressão significativa. E, finalmente, tem a generosidade do nosso sistema de benefícios, que é mais pronunciada nos casos de alguns parâmetros do que em outros — como na aposentadoria por tempo de contribuição.
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O que há com a aposentadoria por contribuição?
Temos regras claramente muito benevolentes de aposentadoria por tempo de contribuição, que permitem uma aposentadoria precoce, se comparada a outros países.
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As regras da aposentadoria por contribuição são benevolentes em que sentido?
Na média, as mulheres se aposentam no Brasil por tempo de contribuição aos 52 anos de idade. Isso é um disparate. É jogar recursos públicos pela janela. Se uma jovem com 15 anos começa a ter o carnê do INSS pago pelos pais, ela pode se aposentar aos 45 anos. O absurdo não é o ato individual, e sim a legislação que permite essa possibilidade.
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O fator não corrigiu em parte esse tipo de facilitador?
O fator inibe e corrige, mas continua permitindo as aposentadorias mais cedo. O fator previdenciário foi, na prática, a expressão política do famoso jeitinho brasileiro. No debate da época, o que deveria ser feito era a fixação de uma idade mínima para a aposentadoria, mas não havia condições políticas para isso. Mesmo com o fator, as pessoas podem continuar a se aposentar com 45 anos, o que não deveria ser possibilitado, no meu modo de ver, porque é uma idade absurda. Na Espanha, na Suécia, nos Estados Unidos, se as pessoas se apresentam no INSS com apenas 30 anos de contribuição, eles levam zero de aposentadoria. No caso do Brasil, nós permitimos um fluxo inferior ao que seria 100% ao salário de contribuição, mas por 40 anos, porque quem tem 45 anos vai viver por mais 40 anos.
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Temos avançado nesse caminho de melhoria da Previdência?
Há muito a ser corrigido ainda, mas cada passo envolve uma negociação difícil. Para termos uma reforma abrangente, precisamos avançar em uma maior compreensão das questões pela população. Sempre reconheci que a primazia da decisão cabe ao político, o nosso papel como técnicos é de dar assessoria, prestar informações, ajudar na compreensão do tema. Mas, obviamente, a decisão é da liderança política. Porém, seu papel é liderar, ela não pode ir atrás daquilo que as pessoas querem; deve dizer o que é melhor para o país, mesmo que o melhor seja diferente do que as pessoas querem ouvir.

O que poderia ser feito na prática?

É preciso entender que a possibilidade política de aprovação de medidas controversas no Congresso não necessariamente significa que mais de 50% das pessoas na sociedade tenham que aprovar tais medidas. A França, no Governo Sarkosy, mudou a regra de aposentadoria. Independentemente de que lado do debate ideológico cada um se situe, obviamente ninguém vai dizer que a França não é uma democracia. Aquilo foi aprovado com uma rejeição de uma parte da sociedade. Obviamente, não há como aprovar no Congresso algo que seja rejeitado por 99% das pessoas, mas, para que seja aprovado pelo Congresso, não necessariamente vamos ter que esperar que as pesquisas de opinião apontem para um apoio de 99% às medidas.
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O sr. acredita que o Congresso aprovaria a mudança da idade mínima?
Para que haja a possibilidade de uma reforma previdenciária mais ambiciosa, é necessário que haja um conjunto de elementos presentes. Em primeiro lugar, um diagnóstico claro da situação, do porquê que aquilo precisa ser feito. Em segundo lugar, uma convicção grande por parte do governo. Não pode ser uma convicção só do ministro, tem que ser um sentimento de que aquilo é importante compartilhado pelo governo como um todo. É necessária uma capacidade de convencimento para que as autoridades percorram os principais e mais populares programas de televisão para explicar o porquê . É preciso bastante energia também, porque se eu, um simples funcionário público, sou xingado, o ministro vai para a rua, a mãe dele vai ser xingada, isso faz parte.
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E uma boa relação com o Congresso...

É necessário ter articulação política para que questões controversas sejam aprovadas. Definitivamente essas condições não estão dadas hoje. Agora, a questão está se agravando, pois a cada ano a despesa do INSS aumenta ainda mais. Em 1998, quando a reforma da Previdência foi aprovada, a despesa do INSS era de 2,5% do PIB e, agora, em 2014, será da ordem de 7,5% do PIB. Multiplicou-se por três, em termos relativos, numa etapa de evolução demográfica do país que apenas começou e irá se acentuar de agora em diante. As pesquisas indicam que a maioria das pessoas é contra a reforma da Previdência, mas elas têm a percepção de que alguma coisa precisa ser feita.
O governo estimulou a inclusão de certas categorias no INSS, como as diaristas. De que maneira essa iniciativa ajuda a reduzir a pressão sobre o caixa?
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Foram ações positivas no sentido de que, se pensarmos na despesa futura que o Estado teria com essas pessoas, isso ocorreria de qualquer forma. Se essas pessoas não estivessem no INSS, elas provavelmente, pela característica social, a partir dos 65 anos de idade receberiam o Loas (Lei Orgânica da Assistência Social), o benefício assistencial de um salário mínimo concedido a quem não contribui para o sistema. Em termos fiscais, uma despesa que ocorreria vai continuar ocorrendo, com a vantagem de alguma receita associada a isso. Mas a inclusão dessas categorias se dá, em geral, com o incentivo de uma contribuição menor do que a paga por outros setores. Logo não temos que superestimar isso, pois essa contribuição é bastante limitada em termos fiscais.
Falta consciência sobre a importância da Previdência?
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Para o longo prazo, há uma necessidade de introjetarmos na educação da população os elementos associados à educação financeira e previdenciária. Questões em que vejo que há carências, independentemente da classe social. Conheço pessoas que chegam aos 45 anos, com uma renda muito acima ao teto do INSS e, simplesmente, não se prepararam e começam a pensar o que vai acontecer quando chegarem aos 60 anos. Mas essas pessoas já perderam metade de sua vida contributiva. Se há pouca preocupação com o futuro entre pessoas de maior renda, imagine nas pessoas com uma formação educacional mais fraca. Da mesma forma que se incorporou ao currículo obrigatório uma série de matérias da área de Humanas, deveria ser parte do Ensino Médio ter um ano de educação financeira e um ano de educação previdenciária. Vejo isso não como um economista, mas como um cidadão. É um componente básico de cidadania.
Então, não há como escapar no médio prazo de uma reforma da Previdência mais profunda...
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Sem dúvida nenhuma. O que não significa que ela vai ter que se dar na forma de um Big Bang, um dia que muda tudo. É possível que a gente continue assistindo aquilo que no debate se chama de reforma fatiada. De uma lista de 10 a 15 itens apontados por nós, especialistas, se faz alguns itens em um governo, e outros no governo seguinte. Uma lógica que se explica politicamente, mas que é um pouco frustrante, porque as coisas no Brasil se dão em uma lentidão exasperante. O assunto previdenciário é enervante, porque estamos discutindo ainda e, provavelmente, continuaremos discutindo em 2019, coisas que o ex-presidente Collor já havia colocado, por meio do Emendão do ministro Jarbas Passarinho. Deveríamos ter uma maturidade maior para avançar mais rapidamente. Isso implica em uma mudança cultural. O brasileiro tem, em relação ao tema previdenciário, uma incompreensão da lógica de seu funcionamento que diferencia muito daquilo que acontece no resto do mundo.
E o que o sr. sugere para mudarmos esse cenário?

O brasileiro médio precisa se acostumar com a ideia de que é necessário mudar a realidade da Previdência, e isso toma tempo. Para que a cultura das pessoas mude, é necessário que o governo se empenhe mais no esforço didático-pedagógico. E uma coisa que aprendi, lidando com o tema há 20 anos, é que não se deve subestimar a capacidade de entendimento das pessoas. É óbvio que ninguém gosta de trabalhar mais anos e se aposentar mais tarde, mas quando você expõe os números e se compara as regras do Brasil com o resto do mundo, ninguém ficará eufórico, mas minha experiência me diz que as pessoas, no íntimo, percebem que precisa mudar.
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Falou-se muito que o governo atacou pouco o gasto público. O sr. concorda?

Concordo, mas reconheço as limitações. Os quatro grandes agregados de gastos são: as transferências para estados e municípios; as despesas com pessoal; os gastos com o INSS; e as outras despesas de custeio e capital (OCC). No caso das transferências, boa parte delas é constitucional, não dá para mexer muito. No caso da despesa com pessoal, essa é uma negociação que ainda vai ocorrer. O que está em discussão é qual será a regra de reajuste de 2016 em diante, uma batalha que o governo ainda terá que lidar durante 2015. No caso do INSS, fora o componente de pensão, que efetivamente está sendo atacado, o resto se refere a essa extensa agenda já discutida aqui. No caso do OCC, embora seja da ordem de 6% a 7% do PIB, ele se divide em diversas rubricas com lobbies específicos. É uma guerra de guerrilhas, que faz parte do dia a dia da administração, que o ministro Joaquim Levy conhece como poucos. É uma batalha árdua, em que, inevitavelmente, a mim me traz à memória uma frase do Churchill: “Don’t fear the opposition. Fear your colleagues in the Cabinet”, ou seja, “Não tema a oposição, tema seus colegas de gabinete”. Acredito que Levy conheça bem essa frase e que deva ter se lembrado dessa batalha, que apenas está começando.
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