Por caio.belandi
Brasília - O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que o STF vive "momentos esquisitos" e que "a toda hora é um surto decisório que não corresponde às nossas tradições". A afirmação foi dada ao comentar a medida do ministro Luiz Fux que anulou a votação da Câmara sobre o projeto das dez medidas contra a corrupção e mandou que ele seja devolvido do Senado para análise, na estaca zero, entre os deputados. Gilmar afirmou que o STF tem que refletir sobre a decisão, mas não chegou a cobrar que ela seja levada a Plenário

"Vivemos momentos esquisitos. A toda hora é um surto decisório que não corresponde às nossas tradições. Em geral éramos árbitros em processos de conflito e não atores ou causadores de conflitos. Então acho que nós temos que refletir muito sobre isso e respeitar a harmonia e independência entre os poderes", afirmou Gilmar Mendes, na manhã desta quinta-feira, 15, após café da manhã com deputados que compõem a Comissão de Reforma Política da Câmara.

Mendes afirmou que o STF precisa "permitir que as coisas funcionem com a dinâmica que elas próprias têm". "Eu nunca ouvi falar que uma proposta que chega no Congresso não pode ser modificada. Então torna-se o Congresso dispensável", afirmou Gilmar, ladeado de Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), presidente do Comissão de Reforma Política da Câmara.

Presidente do TSE e ministro do STF, Gilmar Mendes criticou colega Luiz FuxDivulgação

"Não sei se é a água que estamos bebendo no tribunal ou seja lá o que for, mas vivemos momentos esquisitos e temos que ser mais cuidadosos", afirmou Mendes.

Gilmar ironizou a decisão de Fux assim como havia ironizado a liminar do ministro Marco Aurélio Mello que determinava o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado. Mendeschegou a sugerir o impeachment de Mello, para depois dizer que o comentário não passava de uma "blague" - uma brincadeira.

Semana passada, na sessão seguinte ao comentário, os ministros do Supremo discursaram em defesa de Marco Aurélio.
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Sobre os imbróglios envolvendo o Judiciário, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, afirmou: "Qualquer decisão judicial desagrada, e o desagrado pode levar a qualquer tipo de observação. O que não se pode é se colocar em causa a honorabilidade e principalmente a correção ética, intelectual do juiz, porque isso coloca em risco até mesmo as instituições."

No TSE, bate boca entre os ministros

Gilmar Mendes e Luiz Fux, respectivamente presidente e vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também tiveram um debate acalorado na sessão do TSE na manhã desta quinta-feira. Embora não estivessem tratando na sessão sobre a decisão de Fux, Gilmar disse que "o Supremo não faz do quadrado redondo".

Decisão do ministro Luiz Fux de mandar reiniciar trâmite do pacote anticorrupção causou polêmica com colega Gilmar MendesAgência Brasil

O plenário discutia a aplicação da jurisprudência da Lei da Ficha Limpa em um caso relativo ao município de Abelardo Luz (SC). Em dado momento, Fux, falando sobre a hipótese de surgir algum absurdo decorrente desta jurisprudência, disse que "o absurdo está chancelado pelo Supremo (Tribunal Federal), e o direito é aquilo que os tribunais dizem que é".

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Mendes, então, interrompeu Fux. "Não, não, não ministro. Aí, de jeito nenhum. Se o Supremo chancelar absurdos... o Supremo não faz do quadrado redondo. Data vênia. Isso não é conceito que se possa sustentar", retrucou.
"Nem o 'Código Fux' sustenta isso, e nós não podemos chancelar. E eu mesmo vou defender a insurreição contra este tipo de jurisprudência. Data vênia", disse Mendes. Código Fux é uma referência à última edição do Código de Processo, coordenado por Fux.
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Em seguida, Mendes criticou a forma como foi aprovada no STF a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. "Nós já tivemos um caso excepcional que foi ter aceito uma ação declaratória mambembe, porque não atendia aos requisitos e pressupostos de admissibilidade. Não teve a controvérsia dos casos concretos. Não atendia aos requisitos. Assim como o Congresso foi pressionado, nós também fomos pressionados e atendemos a recados de rua. Foi isso que aconteceu com o Supremo naquele caso", disse Gilmar, que chamou a lei de "casuística".
Fux, em tom conciliador, disse que não estava discordando do colega. "Ministro Gilmar, acho que nós acabamos de estabelecer uma belíssima equação. Ou seja, a Lei da Ficha Limpa tem a sua tipologia, só que às vezes a aplicação daquela previsão legal no caso concreto gera uma decisão absurda."
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Gilmar Mendes ainda voltou a dizer que "não se trata de aplicação cega de jurisprudência em lugar nenhum" e que as Cortes podem dialogar. "Do contrário, se torna uma aplicação cega."
Um pedido de vista do ministro do TSE Henrique Neves encerrou o debate.