Por karilayn.areias

Rio - ‘A democracia custa caro”, costumam repetir os políticos quando o assunto é financiamento eleitoral. A frase faz todo o sentido, mas, curiosamente, no Brasil, quanto pior se torna a qualidade da nossa democracia, mais cara ela fica — pelo menos se formos levar em conta o gasto público com partidos políticos.

Romero Jucá%3A segundo a proposta que líder do governo alinhava%2C cada partido escolherá como gastar o dinheiro públicoAgência Senado

Em 2014, o Fundo Partidário, que é formado por multas eleitorais e recursos públicos e distribuído pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entre os partidos para financiar seu funcionamento, distribuiu R$ 308 milhões. No ano seguinte, enquanto o Brasil mergulhava numa recessão, com perda de 3,8% do PIB no ano, os gastos pularam para R$ 811 milhões.

Os políticos, no entanto, dizem precisar mais, depois que o STF proibiu, em setembro de 2015, as doações de empresas. Na semana que passou, sete partidos fecharam a proposta de criação de um fundo eleitoral, a ser distribuídos em anos de eleição. Se a proposta vingar, o tal fundo custará ao contribuinte mais R$ 3,5 bilhões a cada pleito.

A proposta vem sendo desenhada pelo líder do governo, Romero Jucá. Além de custosa para o contribuinte, tem uma intenção adicional: dificultar a renovação de quadros no Congresso e nos cargos executivos, numa tentativa de manutenção da atual representação partidária. O mecanismo usado para isso é utilizar o atual tamanho das bancadas para fazer a distribuição do dinheiro do novo fundo, já propriamente apelidade de ‘fundão’.

Na proposta em estudo, R$ 175 milhões (5% do fundo) seriam distribuídos igualitariamente entre todas as legendas que disputarão as eleições, enquanto R$ 3,325 bilhões (95%) obedeceriam a uma divisão que leva em conta as bancadas atuais do Parlamento. Os recursos direcionados ao partido de Jucá, o PMDB, seriam em torno de R$ 500 milhões, os do PT e PSDB, pouco mais de R$ 350 milhões. Para partidos novos, como a Rede, que tem quatro deputados e um senador, o valor ficaria em torno de R$ 25 milhões.

“O que está se desenhando é uma espécie de 'fundão' em que o dinheiro será dado aos partidos, que o distribuirão por sua conta, sem controle da sociedade. Quem vai fazer essa distribuição são as atuais direções partidárias, formadas por políticos envolvidos em esquemas de corrupção”, diz o advogado eleitoralista Luciano Caparroz Pereira Santos, diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Para ele, que é favorável ao financiamento público, os valores do fundão poderiam ser discutidos, porém a distribuição é o pior aspecto da reforma acordada pelos partidos. “Se houvesse responsabilização da direção, o ‘fundão’ faria sentido, seria passível de fiscalização”, diz Santos.

Em causa própria%3A Roberto Freire%2C do PPS%2C se revoltou contra acordo dos grandes partidos para criação do ‘fundão’Alexandra Martins/ Câmara dos Deputados

Para o advogado Fernando Neisser, “não há outra forma” no momento, que não aumentar o financiamento público. “Existe a ideia falsa de que se pode fazer eleição barata num país do tamanho do Brasil", diz ele, que é coordenador-adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político. 


Enfraquecer as legendas não é a saida

Depois do acordo entre partidos para a criação do ‘fundão’, fechado no gabinete do senador Tasso Jeireissati, presidente do PSDB, na quarta-feira, o senador Romero Jucá se reuniu com os ministros Henrique Neves e Tarcisio Vieira, do Tribunal Superior Eleitoral para alinhavar a proposta.

Entre as ideias, estão a adoção de um limite para as autodoações, para frear a vantagem dos candidatos ricos, e aceitar doações individuais para o ‘fundão’, mas sem direito a escolher o destino do recurso.

Para que as propostas articuladas pelo líder do governo entrem em vigor, precisam ser votadas até setembro. Por isso, devem se resumir a poucos pontos, entre eles o chamado ‘distritão’. Por esse sistema, os candidatos mais votados de cada partido são eleitos, independente de partidos. “Esse é o pior dos mundos”, diz Roberto Freire. “Se acham que temos muitos partidos, teríamos 513 aqui na Câmara”, diz.

Luciano Caparroz Pereira dos Santos, considera o sistema um risco. “É tão ruim que só existe em quatro países, entre eles o Afeganistão e a Jordânia”, diz ele, que prevê, em caso de adoção do método, a eleição de celebridades e das velhas lideranças.
O problema é que, em momentos de fragilidade dos partidos, o eleitor tende a se voltar para lideranças menos identificadas com o mundo político. “Esse é um grande problema. No entanto, precisamos insistir na importância dos partidos para o aperfeiçoamento da democracia”, diz. “Não há outra saída”.

Para deputado do PPS, ‘fundão’ é tentativa de salvação dos grandes partidos

No Congresso, o primeiro a gritar contra o acordo dos sete partidos (PMDB, PSDB, DEM, PSB, PP, PR e PSD) foi o deputado Roberto Freire (PPS-PE). “A criação desse ‘fundão’ e a tentativa de impor cláusulas de desempenho para os partidos é uma reação das quatro grandes legendas ao seu processo de desmantelamento”, diz ele, se referindo ao PMDB, PSDB, PT e PP, as maiores bancadas da Câmara, que têm uma fila de políticos nas listas da Odebrecht e da JBS. “O que eles querem é evitar que a população busque alternativas”, diz o ex-ministro da Cultura do governo Temer.

O mundo político tem buscado uma saída para bancar as custosas campanhas eleitorais desde o veto do financiamento por empresas, em 2015. O valor de R$ 3,5 bilhões para o ‘fundão’ , com o qual o senador Romero Jucá trabalha, é metade do gasto total estimado dos candidatos nas eleições a deputado, senador, governador e presidente em 2014.

Em 2016, no entanto, as campanhas para prefeito já seguiram padrões bem mais modestos. “Foi mais igualitário”, garante Freire, que disputa eleições desde 1972.
O advogado Fernando Neisser discorda. “O fundão pode evitar a catástrofe que foi a eleição para prefeito. Em muitos casos, os milionários foram beneficiados”, diz ele, lembrando o caso do prefeito de São Paulo, João Doria, que bancou a própria eleição.
Vianna, do MCCE, afirma que o ‘fundão’ vai manter a dificuldade de fiscalização de possíveis usos de Caixa 2, já que os recursos tendem a ficar dispersos entre milhares de candidaturas. Para Neisser, é “praticamente indiferente”. “O problema maior é que dinheiro público vicia. O ideal seria o partido ir atrás do eleitor, para que cada cidadão colaborasse com as causas com que se identifica”, diz. “Esse formato afasta mais os partidos dos eleitores. Ninguém escolhe para onde vai o dinheiro”.

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