Exposição 130 anos da Abolição da Escravatura, apresenta os documentos originais da Lei îurea e da Lei do Ventre Livre dentre outros do período da escravidão. - Tomaz Silva/Agência Brasil
Exposição 130 anos da Abolição da Escravatura, apresenta os documentos originais da Lei îurea e da Lei do Ventre Livre dentre outros do período da escravidão.Tomaz Silva/Agência Brasil
Por Agência Brasil

Rio de Janeiro - No domingo de 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel sancionou uma das leis mais emblemáticas da história do Brasil. A assinatura da Lei Áurea, há exatos 130 anos, foi um marco que aboliu formalmente a escravatura no Brasil, mas que não determinou uma fronteira clara entre a escravidão e a liberdade dos negros no país.

Apesar da Lei Áurea ter sido aprovada na Câmara e no Senado e sancionada pela princesa regente em apenas cinco dias, conforme registra o Jornal do Senado na edição de 14 de maio de 1888, especialistas destacam que o processo de abolição no Brasil ocorreu graças ao protagonismo dos negros durante anos, de forma homeopática, e não por um ato único e definitivo da princesa regente.

Reescrita da história: o abolicionismo negro

A conquista da liberdade formal foi atribuída ao longo da história como uma concessão da elite política da época. Contrariando essa narrativa, historiadores contemporâneos destacam as trajetórias de homens e mulheres negras que participaram ativamente da abolição.

 

O abolicionista Luiz Gama - Divulgação/Brasil.gov.br

"Eram muitos abolicionistas negros e essa história oficial basicamente reduziu essas várias possibilidades de atuação na figura de [José do] Patrocínio e, mesmo assim, limitando, caricaturando o que foi a atuação dele, como aquele que beijou a mão da princesa, o traidor", relata a historiadora Ana Flávia Magalhães, doutora em História pela Unicamp e professora da Universidade de Brasília (UnB).

Liberdade relativa

A historiadora explica que a invisibilidade da atuação de negros influentes se deve a um "processo de embranquecimento da liberdade" e de retirada da população negra do lugar de sujeito da história.

Em seu trabalho, ela mostra que, mesmo antes de 1888, já havia uma população negra livre significativa que não tinha sua condição de liberdade reconhecida. Em alguns lugares, o número de negros livres superava o número de escravos no final do século 19, mesmo assim, muitos eram vistos ou tratados como não libertos.

"Quando acontece a abolição em 1888, a maioria da população negra já era livre, mas havia o peso do racismo legitimando a interdição da cidadania. A tal ponto que era muito comum se pensar que toda pessoa negra era escrava até que se provasse livre. E a gente tem uma deficiência muito grande pra perceber essas trajetórias negras no processo pela liberdade", explica Ana Flávia.

Falsa abolição

A nova corrente acadêmica também destaca como a abolição da escravatura, apesar de ser considerada um dos capítulos centrais da história do Brasil, deixou para a população negra um legado doloroso.

Contra a ideia de celebração da data de 13 de maio, o movimento negro promove, principalmente depois da década de 70, um debate crítico sobre a abolição. "Não é celebração, é uma lembrança, um destaque, porque são 130 anos de violações de direitos", declara a socióloga Vilma Reis, Ouvidora Geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia.

"Por que não se comemora a abolição? Porque é um momento de reflexão crítica dolorosa, no sentido de que falar sobre a abolição é falar sobre uma cidadania que nunca se completou, que nunca foi efetivamente para a população negra em termos coletivos", completa Ana Flávia.

Educação e memória

Para as especialistas, uma das principais estratégias para repensar o significado da escravidão e da abolição é a implementação da Lei federal 10.639/2003, que prevê a obrigatoriedade do ensino da história afro-brasileira no currículo escolar. Em vigor há 15 anos, a lei ainda não é aplicada em todas as escolas e universidades do país.

"As escolas particulares fazem todo tipo de manobra para não cumprir, e nas escolas públicas, muito do que tem acontecido, é por iniciativa das professoras que são ativistas. Às vezes, elas conseguem mobilizar todo o corpo docente das escolas", contesta Vilma Reis.

A memória da escravidão e do processo abolicionista e discussões sobre a liberdade dos negros estão entre os temas que serão discutidos ao longo desta semana no 2º Seminário Internacional – Histórias do Pós Abolição no Mundo Atlântico. O evento ocorrerá de 15 a 18 de maio, na Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, com participação de historiadores nacionais e internacionais, lideranças quilombolas e apresentações culturais, como jongo.

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