Por Agência Brasil

Brasília - O tema das chamadas notícias falsas, ou “fake news”, ganhou visibilidade desde o ano passado, atraindo a atenção de autoridades, especialistas, organizações da sociedade e parlamentares. Já há mais de 20 projetos tramitando no Congresso Nacional sobre o tema.

Nesta terça-feira, a Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública, denominada “comissão geral”, para discutir essas propostas. Nas dezenas de manifestações, sobraram divergências sobre se o tema deve ou não ser objeto de legislação.

Boa parte dos projetos apresentados propõe regras de dois tipos: ou criminalizam o usuário que produz ou difunde as chamadas “notícias falsas” ou impõem às plataformas digitais (como Facebook, Google ou Instagram) a obrigação de fiscalizar o conteúdo circulando no seu interior e sujeita essas empresas a multas caso não removam mensagens falsas ou consideradas prejudiciais.

Em discurso lido na reunião desta terça, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) se posicionou entre os que defendem a necessidade de estabelecer regras sobre o assunto. “Se as pessoas estão sendo manipuladas por notícias falsas, precisamos encarar este fenômeno e regulá-lo”, pontuou. Em seu texto, Maia convocou os presentes a debater uma “legislação de consenso” sobre as notícias falsas e o discurso de ódio na internet.

O deputado Celso Pansera (PT-RJ), relator de alguns projetos relacionados ao tema, informou que deverá apresentar seu relatório nas próximas semanas. O parlamentar não adiantou o teor do parecer, mas citou como princípios a não responsabilização das plataformas e o uso da legislação atual vinculada a conteúdos online. Ele citou como exemplos o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) e os chamados “crimes contra a honra” previstos no Código Penal, como calúnia, injúria e difamação.

Alguns especialistas presentes à audiência defenderam mudanças na legislação. O professor de marketing digital da faculdade ESPM Marcelo Vitorino sugeriu alterações nos crimes contra a honra para prever situações na internet. “Crime contra honra em ambiente virtual tem que ter outra qualificação. No Código Civil não há correção para o dano moral”, lembrou.

O professor de direito da Universidade de São Paulo Daniel Falcão defendeu a atualização da legislação eleitoral, que já lista como crime a difusão de conteúdo “sabidamente inverídico” em propaganda sobre um candidato que possa influenciar o eleitorado. “Temos que atualizar este artigo, colocando a possibilidade da prática na internet e não só na imprensa, TV e rádio. Ao mesmo tempo podemos prever que só não são os atores do jogo eleitoral mas também o eleitor que tem que estar de olho e não repassar notícias falsas”, recomendou.

Críticas

Já outros participantes se manifestaram contrários à aprovação de uma legislação para o tema. Um problema apontado estaria na própria definição do conceito de “fake news”. O professor de direito Paulo Rená, que integra a coalizão de organizações da sociedade civil Direitos na Rede destacou a dificuldade em delimitar este tipo de conteúdo e criticou as definições adotadas nas propostas em tramitação na Câmara. “Temos Projetos de Lei que tentam tipificar [fake news] por meio de categorias imprecisas”, disse.

A representante da ONG Artigo XIX, Laura Tresca, lembrou que essas leis baseadas no conceito de notícia falsa foram criticadas em manifesto lançado por relatores para a liberdade de expressão de organismos internacionais como as Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos (OEA) divulgado no ano passado. “Proibições genéricas sobre disseminação de informação baseada em conceitos vagos como notícias falsas e informação não objetivas são incompatíveis com os parâmetros internacionais de restrição do direito da livre expressão”, defendeu.

O professor de direito eleitoral da Universidade Mackenzie Diogo Rais alertou para o risco de uma legislação repressiva. “Se uma lei for muito específica, ela poderá trazer silêncio à comunidade. Se ela for vaga, provavelmente deixará mais espaço para o Judiciário, e por mais que respeite este Poder não podemos depender dos milhares de juízes com milhares de decisões, a cada caso de um jeito”, ponderou.

O editor do site Migalhas.com e integrantes do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional Miguel Matos somou-se aos preocupados com o risco de uma legislação estimular práticas de censura “Se houver mecanismo de censura, se cada um que se vir ofendido por uma notícia que aparentemente é distorcida isso vai ser mais prejudicial do que eventuais problemas na eleição”, comentou.

Experiências internacionais

Enquanto alguns participantes citaram experiências internacionais como referências positivas, outros criticaram a intenção de regular o tema aqui mencionando problemas em iniciativas estrangeiras. O diretor da ONG SaferNet, Tiago Tavares, chamou a atenção para repercussões negativas de legislações adotadas em outros países.

Segundo Tavares, na Alemanha, a lei estaria sofrendo problemas de implementação e já seria objeto de revisão dentro o governo. Na Malásia, onde a prática foi criminalizada, um turista dinamarquês foi preso porque publicou em uma rede social mensagem sobre o tempo de atendimento de uma ambulância que teria sido diferente do efetivamente ocorrido. “É difícil chegar a uma boa regulação considerando a dinâmica própria da internet e o avanço da tecnologia”, opinou.

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