Cartazes de Kashoggi erguidos em funeral simbólico em Istambul - BULENT KILIC
Cartazes de Kashoggi erguidos em funeral simbólico em IstambulBULENT KILIC
Por DIRLEY FERNANDES

Rio - "Quando a democracia se retrai, ter uma cidadania bem informada se torna ainda mais essencial". Assim, a revista 'Time' explicou a escolha pelo que chamou de "Guardians" como personalidades do ano. Os tais 'guardians' são jornalistas, que foram mortos, perseguidos ou aprisionados por exercerem a sua profissão. A opção dos editores foi necessária, em um ano extremamente difícil para a atividade jornalística. Na quinta-feira, um relatório do Comitê para a Proteção dos Jornalistas revelou que pelo menos 251 profissionais estão atrás das grades em todo o mundo, por ordem de governos descontentes com suas reportagens.

É o terceiro ano seguido em que o número fica acima dos 250, patamar que nunca tinha sido alcançado desde o início da contagem, em 2000. No Brasil, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) documentou 141 casos de ameaças e violência contra jornalistas que cobriram as eleições - maioria atribuída a partidários de Jair Bolsonaro (PSL), mas não poucas vindas também de apoiadores de Fernando Haddad (PT). E claro que há mortos nessa contagem: foram 63 vítimas fatais em diversos países, a mais famosa o saudita Jamal Kashoggi, esquartejado numa embaixada do seu país. No Brasil, foram quatro assassinatos, todos em regiões distantes e de profissionais de veículos pequenos, os mais vulneráveis.

É um ano difícil, sem dúvida", diz Emmanuel Colombié, diretor para a América Latina da ONG Repórteres sem Fronteiras. "Mas a verdade é que é parte de um período muito complicado para o jornalismo em geral, em especial para aquele mais independente e crítico. Temos jornalistas reféns, presos, assassinados. Isso se espalha por todos os continentes. E a notícia pior é que a tendência é de agravamento dessa situação".

Para o jornalista francês, que vive no Rio de Janeiro, os ataques aos jornalistas têm se reforçado "com um discurso público dos governantes cada vez mais agressivo". "Começa pelo presidente Trump (EUA), que, desde o começo do mandato, ataca a imprensa crítica. No Brasil, o futuro presidente Bolsonaro e seu entorno também têm essa postura", diz. "Ele ainda não demonstrou ter compreendido a importância de uma imprensa plural. Isso gera um clima de desconfiança que desagua em ataques, seja através de mídias sociais, seja fisicamente".

O cerco aos jornalistas parte, sobretudo, de governos de vieses autoritários. A Turquia de Tayyp Erdogan é o maior carcereiro de jornalistas do planeta, com 68 profissionais atrás das grades. A China empreendeu uma onda de perseguição a uma minoria étnica (os uigures) que levou para a cadeia 10 profissionais, entre eles Lu Guang, um fotógrafo multipremiado que desapareceu em novembro, só teve a prisão confirmada após algumas semanas, e a família ainda não sabe onde ele está.

No entanto, os casos de violência também se espalham por países em que as instituições democráticas permanecem funcionando, como o Brasil. "Os ataques podem vir na forma de perseguições pelas redes sociais, agressões, ou, nos casos mais dramáticos, pelos assassinatos. Cada uma dessas formas atinge não só o jornalista como também a qualidade do jornalismo", diz Colombié. "Falta nos discursos públicos, de governos e de outros setores da sociedade, um compromisso pela valorização de uma imprensa independente".

Poderes locais

Os casos dos quatro jornalistas assassinados no Brasil em 2018 tem semelhanças sinistras: todos atuavam em regiões distantes das capitais e trabalharem para veículos locais, de alcance limitado. Três deles eram radialistas e um tinha um site. E eram conhecidos por críticas aos poderosos de suas regiões, o que os levou à morte.

- Tiros no rosto

Jefferson Pureza, encontrado morto em casa, em 17 de janeiro, com três tiros no rosto, tinha um programa de rádio polêmico em Edealina, cidade de 3,7 mil habitantes em Goiás. Sofria constantes ameaças. Três homens e três menores foram presos pelo crime, que teria sido foi planejado por um vereador, José Eduardo Alves da Silva (PR).

- Vereador suspeito

Outro vereador, César Monteiro (PR), é suspeito da morte de Jairo de Sousa, em 21 de junho. O radialista fazia denúncias constantes em seu programa, na rádio Pérola FM, de Bragança (PA), e usava colete à prova de balas havia 12 anos, tantas eram as ameaças. Ele foi atingido por dois tiros nas costas, disparados por um homem na garupa de uma moto.

- Em Rondônia

Em Cacoal (RO), o jornalista Ueliton Brizon foi atingido por vários disparos quando estava em uma moto, com a mulher, que não foi ferida, na garupa. O vereador (e primo da vítima) Euzébio Brizon foi convocado à delegacia local como suspeito. Ueliton tinha um site de notícias políticas, o 'Jornal de Rondônia'.

- Facebook

Marlon Araújo era radialista e famoso por vídeos no Facebook com críticas a políticos. Antes de ser morto, avisou pelas redes sociais que iria expor um caso de corrupção envolvendo um vereador de Pé de Serra (BA).

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