Termos como "ideologia de gênero" e "comunismo" ajudam a entender um pouco os conceitos que darão norte ao governo de BolsonaroEVARISTO SA / AFP
Por DIRLEY FERNANDES

Rio - Duas palavas se destacaram nos dois discursos - simples e diretos, como de seu feitio - do presidente Jair Bolsonaro nas cerimônias de posse: 'Deus', acima de todas, proferida seis vezes diante do Congresso e sete no parlatório, e uma outra, talvez, menos esperada.

O termo 'ideologia' e seus derivados foram citados quatro vezes no plenário e cinco vezes diante dos milhares de admiradores, no Planalto. Outra palavra usada pelo capitão veio em contexto mais surpreendente. Ele anunciou que "aquele era o dia em que o Brasil começava a se libertar do socialismo", para estranhamento de quem se recordou que o Brasil, em nenhum momento da História, adotou o socialismo como regime econômico ou forma de governo.

Os termos usados pelo capitão ajudam a entender um pouco da ideologia que vai dar o norte do governo que começou na terça-feira.

Socialismo

Como o próprio capitão assumiu em entrevista posterior à posse, o Brasil nunca teve qualquer forma de socialismo como regime. “Só não existiu socialismo no Brasil graças às Forças Armadas”, disse, em entrevista ao SBT. Na verdade, o presidente se referiu no discurso a uma teoria que é muito difundida na nova direita: a da dominação cultural, segundo a qual os socialistas procuram dominar todas as esferas da vida social. “Essas questões de socialismo acontecem devagar”.   

Gigantismo estatal

Por gigantismo estatal, o capitão se refere a um suposto inchaço da máquina pública brasileira. Esse é um dos pilares da ideologia liberal, que tem em Paulo Guedes, ministro da Economia, um dos maiores defensores no país. Bolsonaro aderiu recentemente ao ideário. A nova gestão tem a proposta de vender o máximo possível de empresas estatais (excluindo Petrobras, Banco do Brasil e Caixa). 

Politicamente correto

O 'politicamente correto' se refere a formas de expressão e ação que evitam maneiras de se colocar que podem ser consideradas ofensivas ou desrespeitosas a grupos sociais, como negros, mulheres, índios ou homossexuais. Para os adversários dessa atitude, o 'politicamente correto' cerceia a liberdade de expressão e a espontaneidade que é uma característica do novo presidente.

Ideologia de Gênero e tradição judaico-cristã

"Vamos unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores."

Ao se referir a ‘tradição judaica-cristã’, Bolsonaro quis, mais uma vez, reafirmar o caráter cristão de seu governo. A inclusão do ‘judaico’ foi uma celebração às raízes judaicas do cristianismo, em um momento em que a aproximação com Israel, que ele propõe, é questionada, em vista do potencial de prejuízo às boas relações políticas e comerciais que o Brasil mantém, há décadas, com os países árabes. O termo abrange católicos, protestantes e judeus, mas exclui outras tradições religiosas brasileiras, em especial as de matriz africana, e os cidadãos que não professam nenhuma religião. 

O termo ideologia de gênero é um dos preferidos do presidente - e da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves. Trata-se de uma classificação cunhada pelos opositores da ideia de que há sexualidades mais complexas do que a divisão entre 'masculino' e 'feminino'. A expressão não é encontrada em estudos acadêmicos. 

Excludente de ilicitude

"Contamos com o apoio do Congresso Nacional para dar o respaldo jurídico aos policiais para realizarem seu trabalho."

Aqui, Bolsonaro se refere a uma proposta de campanha que é motivo de muita polêmica: o ‘excludente de ilicitude’. A ideia é que um policial, ao sair para uma missão – em uma comunidade, por exemplo – não tenha atos, como a morte de um indivíduo, analisados pela autoridade policial e pela Justiça. Na prática, é uma espécie de perdão a priori para o caso de algum ato que possa ser considerado delito sob a luz da lei. Para os defensores, isso daria tranquilidade ao policial para agir. Para os críticos, já há respaldo legal à atuação policial em conflitos no instituto da ‘legítima defesa’ e ir além disso favoreceria atos de abuso por parte de agentes mal intencionados.

Submissão ideológica

"Convoco, cada um dos Congressistas, para me ajudarem na missão de restaurar e de reerguer nossa Pátria, libertando-a, definitivamente, do jugo da corrupção, da criminalidade, da irresponsabilidade econômica e da submissão ideológica.’

O capitão sempre usa o termo ‘ideologia’ em tom crítico. Mas o alvo dele é a ideologia de esquerda. A expressão, no entanto, não se refere apenas a ideias de esquerda. Usada desde o século XVIII, ela tem muitas acepções, mas, basicamente, ideologia se refere a um conjunto de ideias mais ou menos coordenadas que refletem uma concepção da história e da vida política e social que dirigem a ação de uma pessoa ou de um grupo de pessoas sobre a realidade. Nesse sentido, Bolsonaro lidera um governo de fortes traços ideológicos. A ideologia cristã (nos costumes), a ideologia conservadora (na forma de organizar a sociedade), a ideologia liberal (na economia), a ideologia antiglobalista (na política externa), a ideologia militar (de caráter nacionalista) – todas fazem parte do cardápio do governo.

Nessa frase, por “submissão ideológica”, o presidente se refere a propostas de governo com inspirações socialistas dos governos Lula e Dilma. Bolsonaro propõe uma visão mais pragmática. Falta adequar essa visão às ideologias seguidas por membros de seu ministério. 

Viés político

"Montamos nossa equipe de forma técnica, sem o tradicional viés político."

O presidente se refere a indicações para cargos pro interesse político. Os governos anteriores montavam coalizões de partidos para obter apoio no Congresso às suas propostas de governo e nomeavam para postos no ministério e em outros cargos indicados pelas legendas. A prática é comum na democracia: trata-se de dividir responsabilidades. Mas, em um cenário de lideranças partidárias pouco dedicadas ao bem público, favorece a corrupção. No entanto, a ideia de que as indicações da gestão Bolsonaro não são políticas é incorreta. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, foi indicação da bancada rural. A já famosa ministra Damares teve a benção da bancada evangélica. Trocar indicações de partidos por indicações de bancadas (e compromissos com partidos por compromissos com bancadas) é uma novidade, mas não é garantia de avanço e nem de longe significa a extinção do viés político das nomeações.

Desvirtuamento dos Direitos Humanos

"Temos o grande desafio de enfrentar os efeitos da crise econômica, do desemprego recorde, da ideologização de nossas crianças, do desvirtuamento dos direitos humanos e da desconstrução da família."

Segundo a ONU, os Direitos Humanos são "direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição". É um conjunto de normas básicas consagradas pelo Direito Intenacional, em 1948. Os seguidores de Bolsonaro gostam de repetir a frase: "Direitos humanos são para humanos direitos". Com isso, querem afirmar que criminosos condenados, por exemplo, não deveriam ser considerados nas políticas de Direitos Humanos.

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