Gilberto Vieira dos Santos - REPRODUÇÃO BRASIL 247
Gilberto Vieira dos SantosREPRODUÇÃO BRASIL 247
Por *Juliana Dias

Na noite de terça-feira, começam a chegar em Brasília os participantes do 15° Acampamento Terra Livre (ATL), considerado a principal assembleia dos povos indígenas do Brasil. A realização desse ato, de 24 a 26 de abril, é um dos motivos do pedido do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) ao ministro da Justiça, Sergio Moro, de autorização do emprego da Força Nacional de Segurança na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios por 33 dias - estão programadas também manifestações de outras organizações sociais nas próximas semanas.

A decisão causou indignação de movimentos como a Mobilização Nacional Indígena. "Do que vocês têm medo? Por que nos negam o direito de estar nesse lugar? Por que insistem em negar a nossa existência? Em falar por nós e mentir sobre nós?", questiona trecho da nota publicada no site da instituição. O verbo mentir foi usado para refutar a informação do presidente Jair Bolsonaro de que o ATL, o qual chamou de "encontrão de índios", era financiado por dinheiro público. O secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Gilberto Vieira dos Santos, descreve, nesta entrevista ao DIA, alguns dos problemas que estão afetando a segurança dos povos indígenas e preocupando as organizações que com eles trabalham.

O DIA: Quais são as expectativas do Cimi com o novo governo em relação à proteção dos povos indígenas?

GILBERTO VIEIRA: O que esperamos de qualquer governo é que se respeite a Constituição, portanto, que efetive as demarcações territoriais. Isso não é uma regalia, é um direito constitucional dos povos, um direito originário anterior à própria Constituição. Era o que se esperaria de qualquer Poder Executivo, que jura o respeito à Constituição quando toma posse, mas que na prática tem trabalhado para que esses direitos sejam negados. Por mais que não tenhamos registro de ataques severos a tribos atualmente, o posicionamento do governo de esvaziar o órgão indigenista (Funai) e passá-lo para as mãos de políticos contrários aos direitos dos índios cria justificativas para agressões, como as que já vimos em outros momentos da História. Junto a isso, o anúncio da liberação da exploração da Região Amazônica pelo capital estrangeiro também legitima essas ações ilegais.

Como o senhor avalia o atual situação dos povos indígenas no Brasil?

Há algum tempo acompanhamos a manutenção das demarcações das terras dos povos indígenas. O cenário agora se agrava, uma vez que não houve iniciativas por parte do novo governo em dar continuidade aos processos de demarcação e de reconhecimento das terras indígenas. Isso está diretamente vinculado à edição da medida provisória de 870/2019, que passou a demarcação das terras para o Ministério da Agricultura. Essa pasta tem à frente pessoas com um histórico de negação e de posicionamentos contrários aos processos de demarcação das terras dos povos indígenas. O que configura um conjunto de iniciativas do governo que, na prática, paralisa os processos de reconhecimento e demarcação dos territórios. No governo Michel Temer (2016-2018), houve apenas uma homologação de território indígena. Mas com as ações recentes do atual presidente, agravam-se as invasões em territórios indígenas em diversas regiões do país. 

Quando e onde essas invasões têm acontecido?

No fim do ano passado, após as eleições, houve um episódio de ataques contra os Guaranis, no Mato Grosso do Sul e contra os Pancararus, em Pernambuco. Em Rondônia, os povos Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau, que estão em terras próximas, têm sofrido com um novo estilo de invasão: a instalação de lotes. São povos que têm suas terras homologadas e registradas no Patrimônio da União, mas que estão sendo exploradas, com o corte ilegal de árvores, loteamento e venda de terras para não indígenas. Lideranças Karupunas fizeram denúncias à Funai e a organizações internacionais como a ONU. Também há registros de invasões semelhantes no Maranhão, nas terras indígenas do Arariboia e do povo Awá, que tem cerca de 300 índios isolados.

Essas invasões ocorrem com que frequência?

Muita. Na aldeia Karipuna, as denúncias vêm ocorrendo permanentemente. Não é uma eventualidade. Os invasores devem estar, inclusive, dentro da área neste momento, porque não houve por parte do Estado nenhuma iniciativa concreta de retirada dos invasores, nem de efetivar a proteção dessas terras.  

Há registro de mortos ou feridos em alguma dessas invasões?

No momento, o que temos registrado é um ataque à tiros que aconteceu no final de janeiro no Rio Grande do Sul, próximo a Porto Alegre, contra um povo Guarani que está em luta pela demarcação do seu território. Não tivemos notícias de mortos ou feridos até o momento, mas a situação é de ameaça. A terra indígena do povo Arara, no Pará, também está sofrendo essa mesma situação, e as invasões evidentemente colocam os indígenas sob risco. As lideranças indígenas têm denunciado a impossibilidade de poder transitar no interior de suas áreas e de fazer suas práticas tradicionais, tanto em relação à alimentação, como à caça e à pesca, quanto em relação às práticas religiosas.  

Os povos mais ameaçados recebem ajuda da Funai?

Essa é uma questão preocupante, porque um dos papéis institucionais da Funai é justamente o de acompanhar essas situações de denúncia, articulada na maior parte das vezes com órgãos de proteção ambiental, como Ibama, ICMBio, e até com a Polícia Federal, para reprimir essas ações e assegurar o direito do indígena de ter o uso exclusivo de seus territórios. Mas essas ações não têm sido efetivadas, mesmo que as denúncias feitas por algumas das comunidades sejam recorrentes.  

Em comparação ao último governo, a gestão Bolsonaro é mais ameaçadora aos direitos indígenas?

Certamente vejo com mais ameaça. Já havia esse cenário de negação aos direitos indígenas no governo Temer, mas o quadro se agrava agora, porque antes não existia a reafirmação de desrespeito à Constituição. Atualmente, desde a campanha eleitoral do Bolsonaro, o discurso de não efetivação do direito à demarcação dos territórios vem sendo recorrente tanto por parte dele como de outros membros do governo. E esse comportamento certamente cria um quadro ainda mais perigoso e ameaçador aos povos indígenas.  

Qual é o principal papel do Cimi frente a essas ameaças?

O nosso papel, juntamente com outras organizações indígenas, é o de intensificar as denúncias em nível nacional e internacional e acompanhar os povos indígenas para que eles possam ter a sua voz ouvida e seus direitos respeitados.

*Estagiária sob supervisão de Marita Boos

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