Advogado Armando de Souza, presidente da Comissão de Trânsito da OAB Nacional - Divulgação
Advogado Armando de Souza, presidente da Comissão de Trânsito da OAB NacionalDivulgação
Por O Dia
Rio - O projeto de lei 3.267, que propõe uma flexibilização no Código de Trânsito Brasileiro, apresentado terça-feira pelo presidente Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, tem provocado discussões entre especialistas no país e até no Exterior.
O texto sugere, por exemplo, o fim da exigência do exame toxicológico para motoristas profissionais, a retirada do pagamento de multa para quem transportar crianças pequenas sem cadeirinha no carro e o aumento de 20 para 40 pontos por ano do limite para perda da carteira.
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Especialistas acreditam que a proposta enfraquece as leis de trânsito e estimulam a impunidade a infratores. E, se aprovada após votação na Câmara e no Senado, projetam consequências trágicas no trânsito no país. A Organização Mundial de Saúde (OMS) manifestou preocupação com os efeitos colaterais da medida no trânsito no país. Segundo a entidade, a flexibilização pode causar impacto no comportamento dos motoristas. “Ao se aplicar penalidades leves ou multas muito baixas, é fundamental evitar que essa decisão transmita a mensagem de que práticas ilegais e perigosas de direção são toleráveis ou valem a pena”.
O fim da multa para condutores que levarem criança sem cadeirinha também é alvo de preocupação. Em 2018, 57% das crianças usaram dispositivos de segurança em seus trajetos no Brasil, aponta a OMS. A entidade se baseia em estudos internacionais para reforçar a ideia de que o uso de cadeirinhas ajuda a reduzir mortes e lesões em crianças no trânsito. “Equipamentos de retenção podem levar a, ao menos, 60% de redução no número de mortes”, estima.
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Especialistas acreditam que o índice de mortes enEspecialistas no setor e entidades internacionais contestam critérios usados para elaborar o projeto de lei apresentado pelo presidente na Câmara dos Deputados arquivo o dia volvendo crianças no trânsito pode aumentar caso o projeto de lei for aprovado.
Critérios questionados
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O advogado Armando de Souza, presidente da Comissão Especial de Direito do Trânsito da OAB Nacional, faz duras críticas à proposta. “É uma sugestão irresponsável. A redução de lesões e mortes em crianças que estavam na cadeirinha em acidente de trânsito foi espantosa. Qual a motivação para querer alterar o que está dando certo? Isso caracteriza um erro grosseiro e sem qualquer fundamentação”.
O engenheiro Fernando Diniz, presidente da ONG Trânsito Amigo, também lamentou a existência de uma proposta com esse teor. “Estou com uma tristeza no fundo da alma. Como cidadão e como pai órfão, estou decepcionado”, desabafou Diniz, que começou a militar na área após a morte do filho em um acidente de um carro envolvido em um racha em 2003, que também vitimou outras duas jovens.
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Fernando Pedrosa, especialista em prevenção e segurança em trânsito do Instituto de Tecnologias para o
Trânsito Seguro (ITTS), concorda. “É um retrocesso. São alterações que vão contra tudo aquilo que alcançamos de bom para a segurança da população”, argumenta.
‘Indústria da multa’
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Bolsonaro tentou justificar a alteração ao relacionar às autuações ao que ele chama de “indústria da multa” ao justificar a proposta de mudança de pontos acumulados na carteira em um ano para perda do direito de dirigir. Hoje, o condutor precisa acumular 20 pontos em 12 meses para que isso aconteça. O projeto de lei sugere que seja necessário atingir o dobro dessa pontuação. “Por mim, eu botaria 60 (pontos). Porque, afinal de contas, a indústria da multa vai deixar de existir no Brasil”, disse, em entrevista dada na quarta-feira em Aragarças, no interior de Goiás.
‘A vida do cidadão está em risco’
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 - Qual a sua avaliação sobre o projeto de lei?
É um retrocesso. Uma pessoa mata, é condenada em um acidente de trânsito. É julgada culpada pela Justiça. E, administrativamente, não tem a carteira cassada. O projeto é muito ruim. Na verdade, há uma motivação política, que contraria os objetivos da legislação de trânsito de proteger e zelar pela vida das pessoas.
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- Como assim?
O projeto viola direitos conquistados pela sociedade para beneficiar um grupo de pessoas que são vistas como infratoras. Há uma motivação pela ampliação do número de pontos para não cercear o direito de dirigir de motoristas profissionais, especialmente de caminhoneiros. Quando amplia o número de pontos, você possibilita que o motorista infrator continue dirigindo e colocando em risco a vida de terceiros.
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- Qual o direito você quer proteger?
O direito individual do motorista infrator ou o direito da sociedade de transitar com segurança pelas vias públicas? Se a ideia é proteger o direito coletivo da sociedade, é preciso que se faça um estudo aprofundado sobre os efeitos que essa medida poderá produzir na sociedade.
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- Uma das medidas mais polêmicas é justamente relacionada ao fim do exame toxicológico para motoristas
profissionais.
É inconcebível que, nos dias de hoje, você abra mão de exames que vão garantir não só a vida do próprio motorista profissional. O exame também evita o estrago que ele pode produzir se estiver fazendo uso de drogas e dirigindo um caminhão, por exemplo. O projeto deixa aberta a possibilidade do motorista de fazer o uso de entorpecente e continuar dirigindo. Isso coloca em risco a vida de milhares de outras pessoas.
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- Há dados estatísticos que comprovam a eficiência desses exames?
Existem estudos que comprovam a redução de acidentes nas estradas justamente por causa da exigência do exame toxicológico. Os próprios motoristas que consumiam drogas, diante desse requisito para obtenção da renovação da carteira, deixaram de tirar a carteira. Houve redução de motoristas que fazem uso de entorpecente nas estradas. Quando tira essa garantia, você coloca em risco a vida do cidadão.
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- Quais os desdobramentos dessa medida?
Esse projeto precisa ser discutido amplamente na Câmara, para que possamos avaliar os efeitos positivos e negativos dessas sugestões para a população. Ele tira até dos Detrans o direito de fazer exame nas pessoas. Com exame de qualquer médico, você pode obter a carteira. É uma irresponsabilidade.